quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Ravel na Terra do Nunca

Adriano acaba de se tornar órfão e as indefinições sobre seu destino desenham Bolero de Ravel (Global Editora), novo romance de Menalton Braff, vencedor do Jabuti em 2000 pelos contos À Sombra dos Ciprestes.

O protagonista não é um menor disputado por familiares ou internado pela Justiça em um abrigo. Adriano tem 35 anos e muitas semelhanças com os contemporâneos “Peter Pan's”, aqueles que parecem não querer crescer.

Eles inflaram as estatísticas de jovens adultos solteiros nos últimos 15 anos, aparecem às pencas em reportagens de comportamento, lotam as baladas ao lado de adolescentes e provavelmente filam a bóia de domingo ao seu lado, na casa da sua avó, querido leitor. “Eu conheço pelo menos uns dez casos assim, de gente que nem saiu da residência dos pais”, enumera o autor.

Acha o primo ou o tio solteirão engraçados? O personagem de Bolero, entretanto, possui contornos psicológicos que se agravam ante a perda de quem o sustentava. Filho mais velho, grudado à mãe, não quis estudar, trabalhar ou engatar um relacionamento amoroso sério. “É um desiludido, inútil e ocioso. Uma de suas frases é ‘não posso acreditar na vitória se existe a morte’.”

Ao mesmo tempo, a irmã mais nova, que se projetou no pai, um advogado bem sucedido, ganhou a vida como as revistas de carreiras e negócios ditam ser o ideal. Se no passado eles até possuíam afinidades, a distância que as diferenças solidificaram os coloca em lados extremos após o acidente que mata os pais. A dúvida sobre quem vai arcar com Adriano, a partir de então, deflagra o conflito.

Neverland
Menalton avalia que o crescimento do poder de consumo favoreceu o retardamento de aspectos adolescentes sobre esses “adultescentes”.

Cita que, se há poucas décadas a simples compra de uma peça de roupa exigia esforço econômico da maioria da população, atualmente a atitude se banalizou e é possível comprar uma calça nova por semana sem dificuldades.

“Os pais também estão mais favoráveis a bancar os filhos sem reclamar.” A priorização dos estudos e do trabalho é outro fator, apontam os especialistas.

O escritor diz acreditar que os ideais se moldaram à preservação da própria sociedade de consumo, o que geraria perda de sentido e perspectivas entre os jovens. “Hoje parece que a luta é pelo consumo, não há mais o posicionamento sobre ideias ou partidos, por exemplo.”

Estilo
A construção dos personagens tem relação com a narrativa de fluxo de consciência com que Menalton escreveu o romance. O estilo consagrado por escritores como James Joyce e Virginia Woolf é considerado difícil e consiste em idas e vindas na memória dos personagens.

“Baseei-me numa afirmação do Freud de que em todo momento estamos vivendo tudo o que já vivenciamos, desde o nascimento.”

Freud e o tipo de narrativa fazem do título do romance, a célebre composição de Maurice Ravel, uma escolha “natural”. A canção tem um ritmo único e a melodia repetitiva, deixando espaço para os eventos se destacarem em seus loopings na partitura. Nada de coincidência com a vida dos dois irmãos. “O tema principal prossegue, mas de acordo com as cenas que eles vão revivendo, ele some, cresce e vai evoluindo até um final apoteótico.”

Mais Menalton
Menalton Braff lê obras de Sigmund Freud há anos, o que sempre lhe rendeu recursos para conceber seus personagens. No entanto, ele avisa que não há espécie alguma de solução para o caso de Adriano. “Sou só romancista; discutir o caminho seria para um psicólogo.”

Um jornalista de televisão já ficou bravo com Menalton, numa entrevista, porque o autor não apontava uma solução para o problema abordado num romance que lançava na ocasião. “As pessoas estão tanto na onda de autoajuda, que se incomodam com a literatura. Autoajuda é que, entre aspas, se propõe a oferecer receitas.”

Além de Bolero de Ravel, o escritor tem dois romances e uma coletânea de contos prontos na gaveta. O último lançamento do autor foi Moça com Chapéu de Palha (Língua Geral), em outubro de 2009.

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