sexta-feira, 22 de abril de 2011

sexta-feira, 8 de abril de 2011

Loucos soltos e a granel

Minha vontade de viver diminuiria um pouco mais se não acreditasse, negociando questionamentos, que a humanidade até tem sorte e, qual um vira-latas, segue vivendo como dá. Mais ainda em nossa cultura, redondamente definida na frase “não existe pecado ao sul do Equador”, de Chico Buarque.

A matança de Realengo é indício de como se deve ter a humildade de agradecer - cada um escolhe a quem- por esses fatos normalmente serem episódios isolados. Antes de criticar o péssimo sururu jornalístico e político que também nunca falta em cima de tragédias que rendem holofotes, pense bem que há muito mais gente com a mesma capacidade de matar a granel quanto Wellington Menezes de Oliveira. A única diferença é que a maioria de nossa gente, iletrada ou voluntariamente ignorante, desconhece ou finge não saber.

Só há certeza do conhecimento entre os comandantes. Todo mundo que chega a um tipo de poder sabe muito mais porque tem acesso, e privilegiado, às informações. E o que, não apenas agora, o comando geral deveria fazer com essa informação? Políticas públicas de saúde mental que abrangessem das necessidades básicas às superiores. Psicose, meu filho, tem a doidado. Gente delirante e suscetível a qualquer outro maluco, também. Não é à toa que os palanques políticos são tão cheios de figuras que, bem, você sabe.

O “contágio” da loucura existe e antes mesmo de descrito na Medicina já era abordado por Machado de Assis no conto O Anjo Rafael. Somada à incultura geral, a ignorância acerca da saúde mental é devastadora. Se há algum sinal de civilização que ande para frente, pode festejar porque estamos no lucro. (Simei Morais)

Originalmente publicado na coluna de Julio Chiavenato, na página A2 do A Cidade de hoje.

quinta-feira, 7 de abril de 2011

Cera nostra

Antigamente, dava-se um jeito numa obra imperfeita preenchendo os defeitos com cera para vendê-la como arte. Apenas olhos treinados reconheciam uma peça autêntica, sem cera – daí a palavra “sincera”. Eis a natureza de um dos pilares da nossa política patropi, a cera.

Aqui o enceramento escorre desde as poltronas nacionais até os níveis alcaidessos – para matar a saudade do dono da coluna. Lembra-se dos lixões que A Cidade mostrou recentemente? Clandestinos, é verdade, mas tradicionalíssimos.

E o já famoso Mental, touro fujão que se exibia em rodeios na Vila Virgínia? Clandestinos, sim, mas já inseridos na programação local. Pois a fiscalização, os olhos da administração, passava ao largo desses tradicionais redutos. Somente depois de questionado o departamento avisa tomar conhecimento. Aí disparam informes da prefeitura anunciando que, puxa vida(!), a fiscalização vai plantar um homem em cada terreno para vigiar os lixões! Nada mais que cera para tampar buracos deixados por quem não fez o serviço que deveria ter feito.

Mas e por que não se encera logo, então, o lixão que se formou com os restos da favela Itápolis? Veja bem: ali a prefeitura quer montar uma área verde e isso implica em fazer, orçar, apresentar e licitar projeto. E sabe como é a velocidade dessas coisas. Então a Secretaria de Governo, os braços da prefeita, informa que todo o entulho que ora é moradia do Aedes aegipty será removido, sim. Não há um prazo, é verdade, mas quando isso acontecer, anote bem, todo mundo será chamado para filmar e fotografar. Com muita cera, que é para brilhar. (Simei Morais)


Originalmente oublicado na coluna do Julio Chiavenato, na página A2 do jornal A Cidade, em 07 de abril de 2011.

Estrabismos mobiliários

Às vezes é necessário devanear um pouco, mas qualquer comentário carece de exercício de múltipla visão, ao menos duas. Dessa forma, vejamos o caso do mobiliário urbano de Ribeirão Preto. O projeto integraria o plano diretor do município, cuja primeira parte, que trata do uso e ocupação do solo, foi votada em 2007 pelo Legislativo - a segunda proposta desse item, aliás, será enviada à Câmara esse mês, obedecendo a um prazo fixo.

O mobiliário, que trata dos recursos instalados em vias públicas para atender aos cidadãos e aos serviços essenciais (como redes de água e energia), deveria ser estudado e adequado às mais desenvolvidas instruções de urbanismo. O de Ribeirão, entretanto, jaz em meio a folhas cor-de-rosa nalgum armário do Palácio Rio Branco. Não por falta de discussão, que se ressalte. Passou pelo Comur, por audiências públicas na Câmara, foi batido e repassado na imprensa. Como na vida, porém, a morte era sua única certeza.

Mas antes que se diga “é culpa do poder público por isso ou aquilo”, vejam bem, duplamente, no mínimo. É mister que se estude muito, antes de votar qualquer coisa na casa de leis do município. Mobiliário tem raiz etimológica no latim mobilis, que significa flexível, vulnerável.

Como fixar, então, o conjunto de regras que se apossa justamente desse sufixo? Muito complexo. Até porque, ao espichar os olhos para fora da Câmara e da prefeitura, vê-se quantos públicos podem ter outros pontos-de-vista, inclusive os comerciantes que seriam atingidos por readequações da lei, se aprovada fosse. Flexível demais, então, esse mobiliário. Há tantas flexibilizações a ponto de deixarem qualquer um vesgo. (Simei Morais)

Publicado originalmente no jornal A Cidade em 06 de abril de 2011, na página A2, na coluna de Julio Chiavenato.

terça-feira, 5 de abril de 2011

Fazendão e lua cheia

Abaixo, posto a coluna de hoje do Júlio Chiavenato na página A2 do A Cidade, cujo texto eu assino.

"Sempre ouvi dizer que Ribeirão Preto é um fazendão iluminado. Meio jocoso, mas um tanto carinhoso, se considerarmos que fazenda remete a maioria da nossa população a memórias afetivas. No entanto, quando penso que há pelo menos cinco anos uma das principais demandas locais é um aeroporto internacional, que a cidade é pólo regional e ostenta gabarito de excelência em pesquisas médicas internacionais, inevitavelmente tenho de contextualizá-la no século 21. Então saltam incongruências à vista.

As incoerências sobre o Leite Lopes, por exemplo, se arrastam desde o século passado. Já em 1995 o Executivo citava em seu plano diretor que o aeroporto não poderia continuar onde está. E todos sabem o imbróglio que persiste.

A mesma (falta de) iniciativa se abate sobre o sistema viário de Ribeirão que, convenhamos, em alguns pontos nem deveria ser assim classificado. Outro infeliz exemplo é a Baixada, um dos principais entroncamentos do município, por onde chegam clientes de outras cidades e passam “artérias” que ligam a zona Oeste ao restante da cidade. São vias tão tacanhas quanto as ruas de terra de uma fazendona.

Foi justamente nesse local que a população, ontem, viu passar desnorteado o touro que fugira da arena de rodeio clandestina que funcionava na Vila Virgínia desde o fim de 2010, sem a administração municipal, pasmem, saber. E a mesma administração também não soube conduzir o bicho, que zanzou bravio no trânsito caótico de comércio, escolas e residências, como mostra reportagem na A6. É bom nem chamar de fazendão iluminado porque a luz pode falhar. Melhor contar com a lua velha, mesmo." (Simei Morais)

segunda-feira, 4 de abril de 2011

Danielle Miterrand, sua linda


A família toda, com Mazarine e Anne, no funeral de Miterrand

Publico abaixo a segunda parte do texto do prof. José Ribamar Bessa Freire no Blog da Amazônia (inteiro pode ser lido aqui).

O texto, bem completo ao contar as duas histórias, compara o comportamento da família do ex-vice-presidente José Alencar ao do clã Miterrand, que permitiu que uma filha "bastarda" (detesto essa palavra, acho muito pejorativa e o filho, o bastardo, nunca fez nada para merecer esse adjetivo) participasse do funeral do presidente francês.

Destaco, porém, o último trecho, em que Danielle Miterrand diz por quê não se opôs à presença de Mazarine e de sua mãe. É por causa dela, dessa atitude de Danielle, que resolvi postar esse texto.

Danielle, sua linda: que cabeça maravilhosa. O mundo precisa de mais gente sensível assim, que saiba viver, se despojar do superficial.


"(...)Mazarine
Quando o presidente da França morreu no cargo, foram se despedir dele, na Catedral de Notre Dame, em Paris, cerca de 1.500 personalidades: reis, rainhas, príncipes, presidentes e chefes de governo de quase todos os países do mundo. Mas não foi nenhum deles que fez falta no enterro de Alencar. Quem fez falta foi alguém ainda mais importante, que concentrou todo o foco da imprensa mundial: Mazarine
Mazarine foi registrada com esse nome em homenagem à biblioteca mais antiga da França. É que seus pais adoravam livros. Sua mãe Anne Pingeot era bibliotecária do Museu d´Orsay. Seu pai François Mitterand discutia com intimidade, entre outras, as obras de escritores latino-americanos como Júlio Cortázar e Garcia Marquez, que foram convidados para sua posse.
Acontece que Mazarine Marie, nascida em 1974, era filha de uma relação adúltera. Foi discretamente reconhecida, em cartório, pelo pai, que conseguiu manter o segredo durante anos, até 1994, quando foi revelado publicamente pela revista Paris-Match. Hoje, ela é Mazarine Marie Pingeot-Miterrand, escritora, autora de um romance - Cemitério de bonecas - em que uma mulher mata seu bebê e o coloca num congelador.
Mazarine e sua mãe não foram mortas nem ficaram no congelador. As duas foram convidadas para os funerais pela própria Danielle Miterrand, esposa do presidente, que bateu de frente com o poder e subverteu as normas do cerimonial. Uma foto estampada na primeira página dos jornais do mundo todo mostra Danielle ladeada por seus dois filhos Jean-Christophe e Gilbert, tendo Mazarine e Anne à sua esquerda.
No velório de Alencar, quem ficou de fora foi a Mazarine brasileira, conhecida em Caratinga (MG) como Alencarzinha, uma quase-irmã do Dirceu e da Dilma. Trata-se de uma professora aposentada de 55 anos, que em 2001 entrou com uma ação de reconhecimento de paternidade, reivindicando ser filha de um romance entre José Alencar e a enfermeira Francisca Nicolina de Morais.
Com a mesma teimosia com que lutou contra o câncer, seu quase pai, Zé Alencar, se recusou a fazer exames de DNA e morreu sem reconhecer aquela que diz ser sua filha. Diante da recusa, o juiz da comarca de Caratinga (MG), José Antônio de Oliveira Cordeiro, fez o que manda a lei. Declarou oficialmente José Alencar Gomes da Silva como o pai da professora, que agora passou a assinar, legalmente, Rosemary de Morais Gomes da Silva.
Entrevistado no programa de Jô Soares, em 2010, diante das câmeras e dos microfones, José Alencar não negou que havia tido uma relação com Nicolina, mas disparou um tiro de guerra. Revelou que “como todo jovem na época” era freqüentador das zonas de meretrício das cidades onde morou, insinuando que a mãe de sua eventual filha era uma prostituta e que qualquer um podia ser o pai.
Alencarzinha
Confesso que nutria enorme admiração pela luta de Alencar contra o câncer, mas ela se esfumou quando ouvi sua declaração, digna de um Bolsonaro, ultrajante e ofensiva a todas as mulheres brasileiras, virtuosas ou pecadoras, que não mereciam um comportamento público tão machista, mesquinho e vulgar.
Fiquei envergonhado, afinal ele me representava. Não era um quase-pai, mas era um quase-presidente. Nem o insensato coração de André Lázaro Ramos foi capaz de discurso tão abominável e covarde, indigno de um homem tão bom, que pelo seu cargo deveria ter um comportamento mais republicano. O pior é que, pelo lugar de onde fala, ele tem um “papel didático” também nessas questões de gênero.
Alencarzinha assistiu pela televisão à cobertura do velório de um homem poderoso, rico, com grandes qualidades, mas asquerosamente machista. “Não fui a Belo Horizonte porque não ia ser bem aceita lá”, ela disse. Judicialmente, podia ter tentado impedir a cremação para realizar o exame de DNA, pelo qual tanto lutou. Mas não o fez. “Queria ter conversado com ele em vida, para mostrar quem eu sou, a filha que ele tem, todo pai gosta de conhecer a pessoa que ele colocou no mundo. Agora, não adianta mais”.

Danielle Mitterand recebeu criticas impiedosas pela presença de Mazarine e Anne Pingeot nos funerais do presidente francês. Num belo texto que tornou público, ela condenou a hipocrisia e o conformismo, dizendo que um homem ou uma mulher sensível podia se enamorar e se encantar com outras pessoas:

“É preciso admitir docemente que um ser humano é capaz de amar apaixonadamente alguém e depois, com o passar dos anos, amar de forma diferente”.

Ela fez um apelo: “Aceitei a filha de meu marido e hoje recebo mensagens do mundo inteiro de filhos angustiados que me dizem: - ‘Obrigado por ter aberto um caminho. Meu pai vai morrer, mas eu não poderei ir ao enterro porque a mulher dele não aceita’ (…). Espero que as pessoas sejam generosas e amplas para compreender e amar seus parceiros em suas dúvidas, fragilidades, divisões e pequenas paixões. Isso é amar por inteiro e ter confiança em si mesmo”.

Foi essa generosidade que faltou no enterro de Alencar.



O professor José Ribamar Bessa Freire coordena o Programa de Estudos dos Povos Indígenas (UERJ), pesquisa no Programa de Pós-Graduação em Memória Social (UNIRIO).