terça-feira, 2 de novembro de 2010

Schopenhauer, Freud e o poodle na alcova

Acontecido. De verdade. Veridicamente.

Simei Morais

J. e R., casal de amigos meus, têm uma certa tradição em compartilhar suas aventuras sexuais de modo que se tornaram uma espécie de inspiração até para os mais experientes exploradores dessa diversão ancestral. O que fazem no chão de fábrica não chega a ser novidade. Há até quem duvide do desempenho alardeado, em função de uma doença crônica que acomete J. e às vezes provoca falhas de fazer qualquer garanhão se jogar num vulcão. Mas os dois viraram referência graças a um talento peculiar que não consta da execução em si, mas do relatório da atividade e suas considerações finais. Saborosíssimas, juro.

J., especialmente, saca oratória suntuosa, a mais representativa e instrumental que já vi em toda a minha vida de bar em bar. A técnica dele é digna de um mestre da Grécia Antiga tal como Aristóteles. E R., que no prefácio de cada causo faz uma carinha de “ai, de novo, não, meu pai”, vira na diagonal, torce o nariz e balança o pé cruzado, mantém-se ao lado dele em toda a narrativa para comprovar os fatos. Tudo é muito sonoro, bem explicadinho, muito ilustrativo, se é que me entende. Riqueza de detalhes é a chave. A turba baba, emite grunhidinhos escondidos, se contorce nos cantos. Olhos vermelhos rutilantes aguardam as próximas cenas.

Ontem à noite, J. levou à mesa uma ocorrência peluda que o deixou intrigado. A cadela da namorada dele, Alice (leia-se Élici, como na gringa), deu de dormir no quarto da dona. Sendo uma poodle, esses inter-seres meio extra-terrestres, meio animais, ela se sente tão igual aos da casa que se apossou em definitivo da recâmara. Ninguém tira a besta-fera do leito que, aos finais de semana, vira um treme-treme tipo boléia de pau-de-arara.

Nas últimas peripécias, Alice deu de querer participar. Eriça o pêlo branquinho todo enquanto J. e R. se manipulam em performances cabriolantes. “Eu, lá em cima, olho pra trás e vejo só a cabecinha dela, a franjinha balançando pra cima e pra baixo, no pé da cama”, diz J. Descrição do comportamento animal com termos de alcova, hum, ahãn.

No início, a poodle se contentava em permanecer numa espécie de ménage-à-trois du voyerisme. Mas foi tomando cada vez mais achego e já acompanha tudo colando os pêlos dela aos corpos dos dois, na altura do dorso.

Em oito anos, Alice nunca deu cria. Foi castrada no hospital veterinário logo após a puberdade canina. Ela é poodle bastarda, com sangue vira-lata, mas capricha no temperamento da raça alemã como quem invoca um passado europeu de garbo e nobreza. Um azedume só com latido esganiçado. E tão impulsiva que, ao tirarem-na do carro, quando ela se mete na rabeira de J. e R., a cadela grita como se a espancassem. Deve ser num exemplo poodleístico que Schopenhauer desenvolveu a teoria de que a vontade é a última e mais dilacerante força da natureza. O filósofo alemão tinha um desses peludos com cortes clássicos de caneleira e pompom no traseiro.

E foi desse postulado de apetites de Schopenhauer que Freud bebeu para articular a teoria dos instintos, em que o sexo é a vontade soberana. Filosofia, psicanálise, poodlelogia. O conhecimento se une de forma holística nesse sexo animal de J., R. e a peluda Alice. Com cerveja nas tampas, lanço a hipótese de que a relação, "freudianamente", é de triângulo e que a cadela se espelha tanto em R. como busca o macho em J. “E não é que é verdade?”, responde ele, pensativo.

Dia desses, num frugal “cachorrinho”, J. se preparava para o clímax, chamou R. pelo apelido, “cabrita”, e encheu a mão para dar-lhe nas nádegas. Alice não suportou, avançou, com os dentes à mostra.

Deu-se a intriga. Não que seja um plano em vias de efetuar-se, “claro que não”, ele assegura. Mas J. agora só pensa em besuntar a própria bunda de ração e ver se ganha uma lambidinha na hora H.

Nenhum comentário:

Postar um comentário