quarta-feira, 6 de julho de 2011

Musa da Flip com propriedade

E aqui segue ligeira entrevista por e-mai com a argentina Pola Oloixarac, que lança As Teorias Selvagens nesta Flip.

Enviei e-mail à escritora na semana passada, mas me respondeu apenas agora porque estava em viagem ao Brasil. Por causa do vulcão chileno que escureceu o espaço aéreo da Patagônia, ela foi de Bariloche a Buenos Aires de ônibus, num caminho longo de quase 20 horas em que diz ter apreciado cenas do século 19.

Minha ideia inicial era inserir um comentário dela sobre sua participação na Flip em uma matéria que saiu no último domingo no jornal em que trabalho. Não deu tempo, então posto as respostas da mui cortês Pola.

Estou em viagem, desculpa para não escrever muito, mas deixar como referência um ótimo texto da Raquel Cozer, no Estadão, em que fica claro por que Pola é, além de musa dessa Flip, um nome comentado no meio literário.

Em tempo: ainda não li nada produzido por Pola, uma pena. Por isso as perguntas, apesar de breves, são tão superficiais. Escusas.


Los escritores contemporáneos brasileños se encuentran en una controversia que algunos críticos empezaran – ellos dijeran que nada de nuevo ocorre en la literatura del país. ¿Como es la relación de la crítica con los jovenes y contemporáneos escritores argentinos?
Los criticos se quejan siempre... es su trabajo! En Argentina hay muchos jóvenes publicando, y como los mismos escritores suelen ser críticos o editores, además de amigos entre sí, eso promueve bastante la circulación. Es algo muy reciente: para darte un ejemplo, hace cuatro años salía un artículo en el diario acerca de la "literatura joven"... con escritores de 50 años! De pronto todo eso cambió. La literatura funciona un poco en la lógica de la patota, grupos ambiciosos que van imponiéndose. Lo que decís lo vi ocurrir en España también, es una polémica similar. Mi sugerencia sería que infiltren agentes propios en el establishment... 

Su presencia es muy esperada sobre todo por los hombres. No lo importan si el italiano Tabucchi no viene, pero sí si usted viene. ¿Lo que piensa sobre eso? ¿Te importa ser la sensacion de la fiesta?
hahahah los brasileros son tan locos y encantadores... pero ahora que lo dices, será por eso que el Tabucchi canceló sua vinda? 

¿Em qué piensas mientras se prepara para hacer frente a tantas horas en la carretera, por el volcán?
 Por suerte la carretera ya pasó! Y fue lindo, muy siglo XIX: sin internet, solo descansando y leyendo,con el teleofno apagado, la verdad que lo disfruté!

domingo, 3 de julho de 2011

Loyolão só na criação

André Brandão

E o Loyola, minha gente? Pura gentileza. Também respondeu por e-mail para a mesma materinha em que pincelei o Valter Hugo Mãe. E das respostas dele ficou um reforço na certeza que eu já possuía: a mesa dele com o Antonio Tabucchi dificilmente será superada pela nova montagem. Nada contra o Contardo Calligaris, que substitui o conterrâneo, mas Loyola e Tabucchi têm uma história juntos e esse fato já dispara à frente, nas interessâncias.
Mais uma vez, agora graças ao STF e ao governo brasileiro que acolheram Cesare Battisti, ficamos sem Tabucchi.
Eis o Loyola, que ainda torpedeia qualquer menção de embate entre crítica e autores: “que criem.”

O sr. já participou de muitos eventos de literatura, inclusive aqui em Ribeirão. Como se prepara para cada um deles? Para a Flip há alguma orientação da organização ou alguma preocupação específica sua? Teve de reformular sua “preparação” após a desistência do Antonio Tabucchi?

Escolho o tema que pretendo abordar, pesquiso, penso, converso com amigos chegados e deixo o resto por conta do momento, porque quando se sobe no palco as vezes tudo muda. Adoro os improvisos.
Em relação à Flip, não existem orientações especificas, eles sabem que estão convidando profissionais com experiência e longo trajeto.
Claro que tenho de reformular minha participação. Não posso conversar com Contardo o que eu ia conversar com Tabucchi. O titulo da mesa será Ficções da Crônica. Nesta mesa, seremos dois com um mediador a nos ligar. Significa que seremos entrevistados. Sou um romancista que se tornou cronista. Contardo é um cronista que se transformou em romancista. Vai ser tudo na hora, vamos ver.

O sr. poderia comentar o que gostaria de indagar ao Tabucchi, por favor? E com o Contardo, por que lugares sua conversa deve prosseguir?
Falaria um pouco de nosso período na  Toscana, enquanto ele traduzia Zero o dia todo, depois saíamos de bicicleta a passear pelos campos e vinhedos, parando para tomar vinho, ou comer presuntos da montanha, salames, etc. Dos jogos de futebol que víamos pela TV. Dos almoços no restaurante de um amigo dele e que era localizado na sede do Partido Comunista de Vecchiano, onde ele mora, quando na Itália. Depois conversaria sobre a carreira dele, sobre Fernando Pessoa, em quem ele a sua mulher, Maria José, são especialistas, a sua fixação no tema ‘o tempo’, o cinema, etc. E claro, ia perguntar sobre Berlusconi, os novos autores italianos e o cinema italiano atual. Teríamos tempo?

Em maio de 2007, quando esteve na Feira do Livro de Ribeirão, toda sua participação foi sobre o processo em que escreveu “Não verás país nenhum” e a contemporaneidade do livro. É o trabalho que tem maior apelo do público, nesses eventos?
Falei de Não Verás naquele momento porque o livro comemorava 25 anos de existência e se mostrava mais atual. Cada momento é momento de um livro. Veia Bailarina entra muito em órbita, bem como O Anônimo Célebre. Agora, me perguntam muito sobre minha literatura infantil com O Menino que Vendia Palavras e O Menino que Perguntava. Felizmente tenho nada menos de 36 livrosa, a variedade é grande.

Que mesa(s) o sr. gostaria de assistir nessa Flip?
Vou ver o máximo, mas não quero perder Ellroy, nem a argentina de nome esquisito, nem o Neuman, nem o Zé Celso. Como tenho crachá, posso entrar em todas e, se me chatear, me vou.

Recentemente houve uma certa polêmica após os críticos Alcir Pécora e Beatriz Resende afirmarem que nada de novo acontece, na literatura brasileira. O comentário procede? Isso  jogou mais luz para a vitrine dos novos autores, de alguma forma? Acha que essas controvérsias ecoam em eventos do porte como a Flip ou ficam apenas para as conversas de bar?
Não entro nessas de críticos e panoramas e polêmicas desse gênero. Minha vida é criar, que todos criem. Os ensaístas e terceiros é que ficam espevitados, levantando esses debates. Caio fora dessas. Que falem o que quiserem e me deixem em paz. Ou deixem os outros em paz.

Seus putos

E no seu blog Ossos do Ofídio, Marcelino conta um pouco de como ele e Valter Hugo Mãe se conheceram.
Marcelino já tinha visto ouro no Mãe há mais tempo. Leia aqui, ó.

Bárbaro angolano


(Não sei de quem é a foto. Por favor, seu dono da foto, se pronuncie. Ou quem souber. Obrigada.)

Já gostei bastante de muitos autores, muito de alguns. E me surpreendi efusivamente com esse aqui, Valter Hugo Mãe. Li seu o remorso de baltazar serapião assim que saiu no Brasil e, já era, arrebatou-me. Quando soube que viria à Flip, puxa, excitei-me.
O angolano residente em Portugal destrói. E monta uma nova língua, outra narrativa. Agora ele vai lançar por aqui a máquina de fazer espanhóis.
Muito gentil, respondeu a perguntas que enviei por e-mail para uma materinha sobre a Flip, que saiu hoje no jornal em que trabalho.
Posto as respostas integralmente, porque, pena, não deu pra pôr tudo, jornal tem dessas coisas. Aqui ele comenta sua escrita, a amizade com os brasileiros Marcelino Freire e João Paulo Cuenca, a expectativa por Lourenço Mutarelli e uma curiosidade minha sobre os Sarga, a família de o remorso....
E que engraçado. Ele diz ter sido coincidência, mas aconteceu. Enviei dois e-mails. O primeiro, no padrão de caixas altas e baixas. O segundo, em minúsculas, como ele escreve. Foi a esse que ele respondeu.  
uma das recentes polêmicas no meio literário, no brasil, iniciou-se com o comentário de alguns críticos sobre autores contemporâneos. eles afirmam que “nada ocorre de novo”, o que pôs fogo na outra parte. como tem sido a relação da crítica com os escritores contemporâneos, em portugal?
A relação com a crítica é sempre um pouco cínica, e creio que não haverá cura para isso. É certo que a geração a que pertenço em Portugal tem sido muito acarinhada e até já acusada de ser excepcional, dada a diversidade e qualidade. Eu não teria - não tenho - nada por que me queixar. Tenho ouvido muito essa coisa de os novos autores brasileiros não trazerem algo de novo. Não tenho uma leitura de perto, do todo, mas gosto muito de alguns autores, como Marcelino Freire ou Bernardo Carvalho, que serão dois nomes muito presentes, muito actuais e muito diferentes um do outro. Como dizer que não trazem nada de novo? A mim parecem-me muito novos. Alguém me explica? E o Mutarelli?

li em algum lugar um comentário seu de que em portugal os jovens escritores não se comungam nem fazem turmas, como no brasil. na flip, haverá vários deles com seus amigos. espera ser incorporado prontamente em alguma roda, quando chegar a paraty? já foi abordado por alguém do meio ao menos por e-mail, como primeiro contato?
Não espero entrar em rodas. Quero muito que as pessoas me aceitem como sou e que se disponham a uma relação livre, sincera. Eu conheço pessoalmente uns poucos escritores brasileiros por quem estou desenvolvendo algum carinho. Marcelino é um deles. Encontrei já João Paulo Cuenca e ele foi sempre muito atento comigo e creio que viramos admiradores um do outro. Eu não sei se Cuenca e Marcelino são sequer amigos, mas gostaria de acreditar que mesmo não o sendo possam seguir tendo por mim o cuidado que tenho com eles e essa sincera admiração. Agora, se me quiserem comprar, assumo que tenho alguns heróis por aí aos quais me rendo, como Rubem Fonseca ou João Ubaldo Ribeiro. Podem subornar-me com eles, que eu deixo. Ah, e vou maravilhado com a oportunidade de conhecer pessoalmente o Lourenço Mutarelli e agradecer seriamente pela capa e orelha linda que fez para o meu livro. E parabenizá-lo por ser um escritor/artista fantástico.

continua com o mesmo estilo e o mesmo ritmo de o remorso... nos seus novos trabalhos? a quem mostrou aquele texto de o remorso... pela primeira vez? sabia que aquilo teria algum tipo de impacto entre os leitores lusófonos? imaginava o que? foi proposital?
Não. Tenho muito medo de criar fórmulas às quais me renda para sempre. Pelo que o estilo meio medieval desse livro ficou ali. Claro que alguns tiques serão meus, como algo que não posso recusar porque faz parte da minha assinatura criativa. Mas, por exemplo, «a máquina de fazer espanhóis», que a Cosac Naify está publicando para a FLIP, tem um ritmo diferente e a linguagem não se deturpa daquele mesmo modo. A linguagem é um pouco mais linear, embora sempre com algum fascínio pela busca de uma certa expressão poética.
Tive algum receio do livro porque temi a sua violência. Mas creio que as mulheres não tiveram nunca redenção e é preciso que o macho estúpido seja absolutamente flagrado e erradicado.
Procuro nunca criar grandes expectativas com o que faço. Porque o amor que desenvolvemos pelo que nos pertence pode cegar e pode não ser sedutor aos outros. Assim, prefiro sempre escrever como se estivesse sozinho no mundo. Depois, vivo a maravilha de perceber que existem pessoas e de algumas serem minhas leitoras. Fico incrivelmente contente com isso. E grato.

os sarga comem carne bovina? Você já teve uma vaca alguma vez?
Eu creio que, como bestiais que são, comem de tudo. E não. Nunca tive um animal tão grande. Tive três cães, um cágado e um esquilo. À morte de cada cão a tristeza era tão grande que desisti. Não podia mais. Pensei depois que um cágado seria mais seguro. Dificilmente morrem e não fogem do aquário. Contudo, o meu desapareceu. Nunca percebi como. E eu chorei outra vez de mais. O esquilo, morreu à fome. Armazenava a comida debaixo dos trapos na gaiola e vinha pedir sempre mais. Um dia, percebi que não comia de todo. Devia estar à espera do inverno para parar com a poupança. Numa manhã ficou de barriga ao ar. Burro, morreu literalmente de fome sobre um quilo da melhor semente de girassol.

domingo, 29 de maio de 2011

i can see you in the iphone

(aconteceu agora à noite, verdade)

Passei por eles ainda no estacionamento do supermercado. Eu ultrapassava pela esquerda quase ao mesmo passo dos dois adultos, que puxavam a menina de uns três anos, no máximo, entre eles. Ele, de calça jeans e pólo rosa. Ela, horrorosa de legging, meia, chinelo e cabelo preso, além dos óculos comuns. A menina, de olhar distante e vestidinho azul marinho, e os cabelos dourados abaixo dos ombros.

- Vai, vai fazer, sim, ela mandava.

- ...é que a Clara pegou um recado no meu celular que é desse telefone, ele explicava à provável interlocutora.

Olhei para as caras no instante. Sempre tenho curiosidade de ver as caras que o povo faz nos mais diversos momentos, do bem ao mal, se é que me entende. Nem aí pra mim, os dois. Quando eu voltava para a porta da loja com o carrinho, escutei os desmandos dela atrás da pirâmide de compotas, massas e bolachas de uma das marcas da empresa proprietária do supermercado 24 horas. Domingo à noite o lugar sempre enche. E os ouvidos do cara também enchiam.

Adoro os cortes de carnes que essa rede vende. Fico a apalpar até os que não levo, apenas para descobrir um pouco mais da textura de cada parte do boi que deu a vida para que aquela geladeira estivesse lotada, ali, à minha espera. Quase nem como carne vermelha, mas quase toda vez saio de lá com um pacote de costela recheada, maminha ou qualquer coisa assim. Meus dedos afundavam num pedaço de bife no estilo chouriço, o argentino, enquanto os dois avançavam o final do corredor, em minha direção. Tive medo da voz esganiçada.

Piorou quando, por outro caminho, cruzei com eles novamente nos iogurtes. Quebrei a bandeja de danoninho arremessada no andar de cima do carrinho e dei no pé, mas deu pra ver, no soslaio, os dois amarfagados no canto dos requeijões light de 170 gr. E a menina embaixo, não sei se no chão ou no carrinho, porque agora eles tinham um, não sei também ao certo.

- Você está sendo chata.

- Ah, eu estou sendo chata?

Estavam. Ninguém precisa ficar lembrando todo o público do supermercado que todos ali também já foram falidos em alguma relação, corneado ou chifrando. Muito chato mesmo, desnecessário pra um fim de final de semana.

Livrei-me na gôndola dos doces de leite, onde normalmente reina a paz. Até tive repentina alegria ao reconhecer que uma das melhores marcas, de Avaré, agora vende no supermercado que eu freqüento – ou freqüentava. Mas meu potinho quase ruiu debaixo do braço no momento em que o cara passou com a filha no colo, rumo à porta, me atropelando a dois metros do caixa. Sozinho, com a menina. Ele falava qualquer coisa no ouvido da criança, a passos mais que larguíssimos.

Claro que o recado no celular era pra ele. O cara falou ao telefone com calma e desenvoltura plausíveis somente se a pessoa do outro lado já está treinada para esse tipo de operação de risco. Certeza mesmo que ele tem outra porque aquilo ali que eles fizeram, meu filho, minha filha, é como levantar defunto pra uma voltinha vespertina com o cachorro na pracinha do bairro. E de prêmio, a outra é conhecida dos dois. Lembra como ele iniciou a conversa no telefonema? “...é que a Clara pegou um recado no celular...” O seu recado, gata. Tipo cats miam and i wanna rock'n roll al night.

quarta-feira, 4 de maio de 2011

no comments

Umbigüismo, com trema, que é pra reforçar

Tenho amigos que entendem de zoodíaco. Mas entendem bem, numa banda além de misticismos. São  pessoas céticas e questionadoras por essência. E que mostram conhecimentos de signos que, a meu parco ver, se não são plausíveis, parecem bem factíveis.
Enfim, eu até gostaria de conhecer um pouco mais sobre o assunto. Quem sabe um dia? Ao menos do meu signo, ué.
Perguntou-me uma desses amigos: "você é o quê?"
Olha, não entendo nada dessas coisas, só sei que sou áries com ascendente em gêmeos, sabe-se lá o que significa. Só sei que eu me acho o máximo.

sexta-feira, 22 de abril de 2011

sexta-feira, 8 de abril de 2011

Loucos soltos e a granel

Minha vontade de viver diminuiria um pouco mais se não acreditasse, negociando questionamentos, que a humanidade até tem sorte e, qual um vira-latas, segue vivendo como dá. Mais ainda em nossa cultura, redondamente definida na frase “não existe pecado ao sul do Equador”, de Chico Buarque.

A matança de Realengo é indício de como se deve ter a humildade de agradecer - cada um escolhe a quem- por esses fatos normalmente serem episódios isolados. Antes de criticar o péssimo sururu jornalístico e político que também nunca falta em cima de tragédias que rendem holofotes, pense bem que há muito mais gente com a mesma capacidade de matar a granel quanto Wellington Menezes de Oliveira. A única diferença é que a maioria de nossa gente, iletrada ou voluntariamente ignorante, desconhece ou finge não saber.

Só há certeza do conhecimento entre os comandantes. Todo mundo que chega a um tipo de poder sabe muito mais porque tem acesso, e privilegiado, às informações. E o que, não apenas agora, o comando geral deveria fazer com essa informação? Políticas públicas de saúde mental que abrangessem das necessidades básicas às superiores. Psicose, meu filho, tem a doidado. Gente delirante e suscetível a qualquer outro maluco, também. Não é à toa que os palanques políticos são tão cheios de figuras que, bem, você sabe.

O “contágio” da loucura existe e antes mesmo de descrito na Medicina já era abordado por Machado de Assis no conto O Anjo Rafael. Somada à incultura geral, a ignorância acerca da saúde mental é devastadora. Se há algum sinal de civilização que ande para frente, pode festejar porque estamos no lucro. (Simei Morais)

Originalmente publicado na coluna de Julio Chiavenato, na página A2 do A Cidade de hoje.

quinta-feira, 7 de abril de 2011

Cera nostra

Antigamente, dava-se um jeito numa obra imperfeita preenchendo os defeitos com cera para vendê-la como arte. Apenas olhos treinados reconheciam uma peça autêntica, sem cera – daí a palavra “sincera”. Eis a natureza de um dos pilares da nossa política patropi, a cera.

Aqui o enceramento escorre desde as poltronas nacionais até os níveis alcaidessos – para matar a saudade do dono da coluna. Lembra-se dos lixões que A Cidade mostrou recentemente? Clandestinos, é verdade, mas tradicionalíssimos.

E o já famoso Mental, touro fujão que se exibia em rodeios na Vila Virgínia? Clandestinos, sim, mas já inseridos na programação local. Pois a fiscalização, os olhos da administração, passava ao largo desses tradicionais redutos. Somente depois de questionado o departamento avisa tomar conhecimento. Aí disparam informes da prefeitura anunciando que, puxa vida(!), a fiscalização vai plantar um homem em cada terreno para vigiar os lixões! Nada mais que cera para tampar buracos deixados por quem não fez o serviço que deveria ter feito.

Mas e por que não se encera logo, então, o lixão que se formou com os restos da favela Itápolis? Veja bem: ali a prefeitura quer montar uma área verde e isso implica em fazer, orçar, apresentar e licitar projeto. E sabe como é a velocidade dessas coisas. Então a Secretaria de Governo, os braços da prefeita, informa que todo o entulho que ora é moradia do Aedes aegipty será removido, sim. Não há um prazo, é verdade, mas quando isso acontecer, anote bem, todo mundo será chamado para filmar e fotografar. Com muita cera, que é para brilhar. (Simei Morais)


Originalmente oublicado na coluna do Julio Chiavenato, na página A2 do jornal A Cidade, em 07 de abril de 2011.

Estrabismos mobiliários

Às vezes é necessário devanear um pouco, mas qualquer comentário carece de exercício de múltipla visão, ao menos duas. Dessa forma, vejamos o caso do mobiliário urbano de Ribeirão Preto. O projeto integraria o plano diretor do município, cuja primeira parte, que trata do uso e ocupação do solo, foi votada em 2007 pelo Legislativo - a segunda proposta desse item, aliás, será enviada à Câmara esse mês, obedecendo a um prazo fixo.

O mobiliário, que trata dos recursos instalados em vias públicas para atender aos cidadãos e aos serviços essenciais (como redes de água e energia), deveria ser estudado e adequado às mais desenvolvidas instruções de urbanismo. O de Ribeirão, entretanto, jaz em meio a folhas cor-de-rosa nalgum armário do Palácio Rio Branco. Não por falta de discussão, que se ressalte. Passou pelo Comur, por audiências públicas na Câmara, foi batido e repassado na imprensa. Como na vida, porém, a morte era sua única certeza.

Mas antes que se diga “é culpa do poder público por isso ou aquilo”, vejam bem, duplamente, no mínimo. É mister que se estude muito, antes de votar qualquer coisa na casa de leis do município. Mobiliário tem raiz etimológica no latim mobilis, que significa flexível, vulnerável.

Como fixar, então, o conjunto de regras que se apossa justamente desse sufixo? Muito complexo. Até porque, ao espichar os olhos para fora da Câmara e da prefeitura, vê-se quantos públicos podem ter outros pontos-de-vista, inclusive os comerciantes que seriam atingidos por readequações da lei, se aprovada fosse. Flexível demais, então, esse mobiliário. Há tantas flexibilizações a ponto de deixarem qualquer um vesgo. (Simei Morais)

Publicado originalmente no jornal A Cidade em 06 de abril de 2011, na página A2, na coluna de Julio Chiavenato.

terça-feira, 5 de abril de 2011

Fazendão e lua cheia

Abaixo, posto a coluna de hoje do Júlio Chiavenato na página A2 do A Cidade, cujo texto eu assino.

"Sempre ouvi dizer que Ribeirão Preto é um fazendão iluminado. Meio jocoso, mas um tanto carinhoso, se considerarmos que fazenda remete a maioria da nossa população a memórias afetivas. No entanto, quando penso que há pelo menos cinco anos uma das principais demandas locais é um aeroporto internacional, que a cidade é pólo regional e ostenta gabarito de excelência em pesquisas médicas internacionais, inevitavelmente tenho de contextualizá-la no século 21. Então saltam incongruências à vista.

As incoerências sobre o Leite Lopes, por exemplo, se arrastam desde o século passado. Já em 1995 o Executivo citava em seu plano diretor que o aeroporto não poderia continuar onde está. E todos sabem o imbróglio que persiste.

A mesma (falta de) iniciativa se abate sobre o sistema viário de Ribeirão que, convenhamos, em alguns pontos nem deveria ser assim classificado. Outro infeliz exemplo é a Baixada, um dos principais entroncamentos do município, por onde chegam clientes de outras cidades e passam “artérias” que ligam a zona Oeste ao restante da cidade. São vias tão tacanhas quanto as ruas de terra de uma fazendona.

Foi justamente nesse local que a população, ontem, viu passar desnorteado o touro que fugira da arena de rodeio clandestina que funcionava na Vila Virgínia desde o fim de 2010, sem a administração municipal, pasmem, saber. E a mesma administração também não soube conduzir o bicho, que zanzou bravio no trânsito caótico de comércio, escolas e residências, como mostra reportagem na A6. É bom nem chamar de fazendão iluminado porque a luz pode falhar. Melhor contar com a lua velha, mesmo." (Simei Morais)

segunda-feira, 4 de abril de 2011

Danielle Miterrand, sua linda


A família toda, com Mazarine e Anne, no funeral de Miterrand

Publico abaixo a segunda parte do texto do prof. José Ribamar Bessa Freire no Blog da Amazônia (inteiro pode ser lido aqui).

O texto, bem completo ao contar as duas histórias, compara o comportamento da família do ex-vice-presidente José Alencar ao do clã Miterrand, que permitiu que uma filha "bastarda" (detesto essa palavra, acho muito pejorativa e o filho, o bastardo, nunca fez nada para merecer esse adjetivo) participasse do funeral do presidente francês.

Destaco, porém, o último trecho, em que Danielle Miterrand diz por quê não se opôs à presença de Mazarine e de sua mãe. É por causa dela, dessa atitude de Danielle, que resolvi postar esse texto.

Danielle, sua linda: que cabeça maravilhosa. O mundo precisa de mais gente sensível assim, que saiba viver, se despojar do superficial.


"(...)Mazarine
Quando o presidente da França morreu no cargo, foram se despedir dele, na Catedral de Notre Dame, em Paris, cerca de 1.500 personalidades: reis, rainhas, príncipes, presidentes e chefes de governo de quase todos os países do mundo. Mas não foi nenhum deles que fez falta no enterro de Alencar. Quem fez falta foi alguém ainda mais importante, que concentrou todo o foco da imprensa mundial: Mazarine
Mazarine foi registrada com esse nome em homenagem à biblioteca mais antiga da França. É que seus pais adoravam livros. Sua mãe Anne Pingeot era bibliotecária do Museu d´Orsay. Seu pai François Mitterand discutia com intimidade, entre outras, as obras de escritores latino-americanos como Júlio Cortázar e Garcia Marquez, que foram convidados para sua posse.
Acontece que Mazarine Marie, nascida em 1974, era filha de uma relação adúltera. Foi discretamente reconhecida, em cartório, pelo pai, que conseguiu manter o segredo durante anos, até 1994, quando foi revelado publicamente pela revista Paris-Match. Hoje, ela é Mazarine Marie Pingeot-Miterrand, escritora, autora de um romance - Cemitério de bonecas - em que uma mulher mata seu bebê e o coloca num congelador.
Mazarine e sua mãe não foram mortas nem ficaram no congelador. As duas foram convidadas para os funerais pela própria Danielle Miterrand, esposa do presidente, que bateu de frente com o poder e subverteu as normas do cerimonial. Uma foto estampada na primeira página dos jornais do mundo todo mostra Danielle ladeada por seus dois filhos Jean-Christophe e Gilbert, tendo Mazarine e Anne à sua esquerda.
No velório de Alencar, quem ficou de fora foi a Mazarine brasileira, conhecida em Caratinga (MG) como Alencarzinha, uma quase-irmã do Dirceu e da Dilma. Trata-se de uma professora aposentada de 55 anos, que em 2001 entrou com uma ação de reconhecimento de paternidade, reivindicando ser filha de um romance entre José Alencar e a enfermeira Francisca Nicolina de Morais.
Com a mesma teimosia com que lutou contra o câncer, seu quase pai, Zé Alencar, se recusou a fazer exames de DNA e morreu sem reconhecer aquela que diz ser sua filha. Diante da recusa, o juiz da comarca de Caratinga (MG), José Antônio de Oliveira Cordeiro, fez o que manda a lei. Declarou oficialmente José Alencar Gomes da Silva como o pai da professora, que agora passou a assinar, legalmente, Rosemary de Morais Gomes da Silva.
Entrevistado no programa de Jô Soares, em 2010, diante das câmeras e dos microfones, José Alencar não negou que havia tido uma relação com Nicolina, mas disparou um tiro de guerra. Revelou que “como todo jovem na época” era freqüentador das zonas de meretrício das cidades onde morou, insinuando que a mãe de sua eventual filha era uma prostituta e que qualquer um podia ser o pai.
Alencarzinha
Confesso que nutria enorme admiração pela luta de Alencar contra o câncer, mas ela se esfumou quando ouvi sua declaração, digna de um Bolsonaro, ultrajante e ofensiva a todas as mulheres brasileiras, virtuosas ou pecadoras, que não mereciam um comportamento público tão machista, mesquinho e vulgar.
Fiquei envergonhado, afinal ele me representava. Não era um quase-pai, mas era um quase-presidente. Nem o insensato coração de André Lázaro Ramos foi capaz de discurso tão abominável e covarde, indigno de um homem tão bom, que pelo seu cargo deveria ter um comportamento mais republicano. O pior é que, pelo lugar de onde fala, ele tem um “papel didático” também nessas questões de gênero.
Alencarzinha assistiu pela televisão à cobertura do velório de um homem poderoso, rico, com grandes qualidades, mas asquerosamente machista. “Não fui a Belo Horizonte porque não ia ser bem aceita lá”, ela disse. Judicialmente, podia ter tentado impedir a cremação para realizar o exame de DNA, pelo qual tanto lutou. Mas não o fez. “Queria ter conversado com ele em vida, para mostrar quem eu sou, a filha que ele tem, todo pai gosta de conhecer a pessoa que ele colocou no mundo. Agora, não adianta mais”.

Danielle Mitterand recebeu criticas impiedosas pela presença de Mazarine e Anne Pingeot nos funerais do presidente francês. Num belo texto que tornou público, ela condenou a hipocrisia e o conformismo, dizendo que um homem ou uma mulher sensível podia se enamorar e se encantar com outras pessoas:

“É preciso admitir docemente que um ser humano é capaz de amar apaixonadamente alguém e depois, com o passar dos anos, amar de forma diferente”.

Ela fez um apelo: “Aceitei a filha de meu marido e hoje recebo mensagens do mundo inteiro de filhos angustiados que me dizem: - ‘Obrigado por ter aberto um caminho. Meu pai vai morrer, mas eu não poderei ir ao enterro porque a mulher dele não aceita’ (…). Espero que as pessoas sejam generosas e amplas para compreender e amar seus parceiros em suas dúvidas, fragilidades, divisões e pequenas paixões. Isso é amar por inteiro e ter confiança em si mesmo”.

Foi essa generosidade que faltou no enterro de Alencar.



O professor José Ribamar Bessa Freire coordena o Programa de Estudos dos Povos Indígenas (UERJ), pesquisa no Programa de Pós-Graduação em Memória Social (UNIRIO).

segunda-feira, 14 de março de 2011

Maurina, a freira torturada

Fiz a história da madre Maurina para a edição de 13 de março do A Cidade. O texto abaixo é o original, sem edição nem revisão porque, vocês sabem, eu atuo na redação e tempo é inexistente.



“Chame o teu Deus, freira do diabo”, bradou o delegado Sérgio Paranhos Fleury enquanto desferia o braço no rosto da freira. Um dos nomes mais temíveis da história da ditadura militar brasileira, ele foi carrasco também da religiosa mineira que cuidava de um orfanato em Ribeirão Preto. Maurina Borges da Silveira, então com 43 anos, fora levada injustamente pela Operação Bandeirante.
Era outubro de 1969, e a polícia a levou acusada de contribuir com um grupo das Forças Armadas de Libertação Nacional (FALN). Ela havia cedido o porão do Lar Santana, na Vila Tibério, que ela dirigia, para que se reunissem. “Alguns de nós, inclusive eu, fazíamos parte do movimento de evangelização. Ela pensava que nossas reuniões eram por esses motivos”, relata o advogado Vanderlei Caixe, 66 anos.
Soube da detenção deles uma semana depois, pelos jornais, e desceu rapidamente ao porão para checar se o material que eles guardavam era mesmo o que as autoridades chamavam “subversivo”. Descobriu panfletos e exemplares do jornal O Berro, todos contrários ao regime, e mandou que o jardineiro os queimasse. “Foi a partir do episódio da destruição desses papéis que chegaram até ela”, diz Caixe. Apesar de alegar inocência, foi levada pelos delegados Renato Ribeiro Soares e Miguel Lamano que posteriormente foram excomungados pela igreja católica pela prisão da irmã (Soares afirmou, em entrevista ao A Cidade, em 2009, que fora julgado e absolvido pela igreja católica em 1975).
Assim que caiu nas mãos de Fleury, foi torturada com choques elétricos e pancadas. Seu primeiro contato com o delegado, além do xingamento, seguiu-se de um forte tapa no ouvido. “Sua freira do diabo”, dizia, conta o irmão de Maurina, frei Manoel, 80 anos completos na última terça-feira, quando falou comigo. “(Com o tapa) já desmontava psicologicamente a pessoa”, explica.
Recebeu choques no corpo todo, que deixavam dores ainda por dias. As presas molhavam o pano na água e colocavam nas feridas da vagina na tentativa de aliviar a dor. Além do sofrimento físico, proibiam-na de receber a comunhão que um padre ia celebrar às demais encarceradas. Os militares riam dizendo que “fazia parte do castigo.” “Dentro da mística de freira, ela tinha necessidade de comunhão”, comenta o irmão.
O maior alívio que ela recebeu, enquanto esteve presa em São Paulo, chegou por meio de mãos desconhecidas. Maurina tinha contato com outras presas por meio de uma janelinha em que conversavam. Elas a chamavam respeitosamente de “madre.” Um dia, recebeu um guardanapo de papel por ali. Era uma das hóstias consagradas trazidas pelo padre às detentas comuns, enviada furtivamente até a freira. Era um momento de emoção dentro dos cercados de horror.

Abuso sexual
Desse período, surgiu a hipótese de que irmã Maurina tivesse sido abusada sexualmente por um militar e que tivesse dado à luz um filho, fruto da agressão, no México, para onde seguiu exilada, em 1970. O tema sempre provocou constrangimento à freira, que concedeu poucas entrevistas sobre tudo o que passou nas mãos da ditadura.
A própria igreja proibiu-a de falar. A jornalista Matilde Leone, autora do livro Sombras da Repressão – O outono de Maurina Borges, romance baseado na história da freira, foi barrada por religiosas quando tentou se aproximar de Maurina em um colégio em São Paulo, já na década de 90. Na casa Geraldo, em Catanduva, onde passou os últimos 24 anos, o assunto também permanecia sob uma nuvem de silêncio. “Nem a deixávamos falar muito porque percebíamos que era uma ferida que ainda se abria. Esse era o episódio mais forte da vida dela”, recorda irmã Anália Nunes, 74 anos, coordenadora da casa.
Para a família, o assunto sempre fora um vidro frágil. O consenso entre os pais e irmãos da freira era de que o melhor era não tocá-lo. Maurina, no entanto, chegou a abordá-lo com Matilde, no encontro em que ela resolveu contar sobre a prisão. “Ela falou que houve assédio sexual, mas não quis aprofundar e eu respeitei. Mas houve, sim, a intenção (de abusá-la)”, afirma a jornalista. “Ela não foi deflorada”, declara o irmão.
Dom Paulo Evaristo Arns, atual arcebispo de São Paulo, iniciou-se na militância pelos direitos humanos ao entrar no caso da irmã Maurina, que sempre o mencionou, aos poucos para quem comentou esse passado.
Em 1970, o Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), outro grupo contrário à ditadura, seqüestrou o cônsul japonês Nobuo Okuchi e em troca dele exigiu a soltura da freira, que foi enviada ao exílio no México. Lá, foi acolhida por uma congregação franciscana, ordem da qual sempre fez parte. Depois de dez anos, foi absolvida das acusações no Brasil, para onde voltou em 1984.

Alegria e perdão
Irmã Maurina passou os últimos anos servindo à igreja em Catanduva, entre as irmãs franciscanas. Uma das missões de que mais gostava era orientar espiritualmente o grupo de formação de leigos para atuar na ordem, trabalho que ela deixou de desempenhar em 2007, após insistência das demais religiosas. “Ela relutou em se afastar da direção, mas acabou compreendendo, até porque já tinha muita dificuldade de locomoção”, comenta irmã Anália.
À frente desse grupo Maurina conheceu a aposentada Neolita Soncin, 58 anos. Ela acabava de voltar dos preparativos da lembrancinha da missa de sétimo dia da freira quando conversamos por telefone. Abriu um longo “ah” de satisfação, quando perguntei como as duas se tornaram tão próximas.
Neolita se apaixonou por irmã Maurina assim que a conheceu, há 17 anos. “Era doce, meiga, possuía ternura e um semblante frágil, ao mesmo tempo em que era cheia de sabedoria e inteligência”, enumera. “Quando a conheci, quis saber mais dela, por que era daquele jeito.”
Com o tempo, o vínculo que se formou entre elas permitiu que Maurina contasse episódios da prisão. Neolita continuava intrigada em como uma pessoa “tão meiga” poderia ter caído no meio daquele turbilhão. “Fiquei chocada e maravilhada. Ela passou por tudo aquilo e não guardou rancor.” Aos poucos que comentava sobre a tortura, ela afirmava que havia perdoado a seus algozes.


Testemunho
Na própria prisão, enquanto os agressores a violentavam para que assumisse ter um caso amoroso com Mário Lorenzatto, um dos presos de Ribeirão, ela dizia “gosto tanto do Mário quanto de cada um de vocês que estão me torturando.”
Em meio à violência ela não deixou de consolar aos demais presos. “Ela foi conosco para São Paulo, era muito carinhosa, tranquila e conformada. Eu estava transtornado, ela pôs a mão no meu ombro e disse ‘fique tranqüilo, vai dar tudo certo’”, lembra Caixe. “A beleza é que ela assumiu (sua missão) e mesmo ali ela dava assistência às demais presas”, conta frei Manoel.
Nas conversas com Matilde, que continuaram por cartas, irmã Maurina ressaltou que era inocente e que apenas ajudava os rapazes cedendo o porão para seus encontros, que ela soube mais tarde se tratarem de políticos. “Ela disse que faria tudo de novo. Tinha consciência de que não havia feito nada errado, ela sempre lutou contra a injustiça.”
Para Matilde, as torturas não foram apenas em seu físico, mas atingiram a alma e as convicções da delicada freira, pelo nível de assédio que ela sofreu. “Só uma franciscana poderia passar por isso, quase dar a vida no lugar de outro, e não perder a fé. Ela foi uma mártir”, declara Neolita.
Ela cita alguns dos cânticos preferidos de Maurina, entre eles, a Oração de São Francisco, santo que a conquistou ainda pequena, quando seu pai contava da vida dele para a prole, no interior de Minas Gerais. Uma das primeiras estrofes, bem conhecida, proclama “onde houver ódio, que eu leve amor.” “Imagine quantas pessoas ela não evangelizou?”, enfatiza a amiga.
Para o próprio delegado Fleury, que morreu em maio de 1979, Maurina deu testemunho de fé. Enquanto esbofeteava sua face, gritava “chame o teu Deus pra vir aqui te salvar.” Ao que ela respondeu: “não preciso. Ele já está aqui.”



‘O dia mais pesado da minha vida’
Frei Manoel Borges da Silveira, dominicano, mora atualmente em Juiz de Fora. Na semana retrasada,havia sido convidado para celebrar três missas no domingo, dia 6, e aceitou. Teve de fazê-las em luto, pois Maurina, sua irmã, falecera um dia antes, aos 84 anos. Ela estava internada desde novembro em Araraquara, em decorrência do mal de Alzheimer. “Foi o dia mais pesado da minha vida. Daqui para frente, a gente vai se acostumar”, desabafa.
Manoel fala sobre a irmã com paixão, tanto ao exaltá-la como vencedora como ao se indignar pelo que ela passou.
“Somos da roça, nascemos entre Uberaba e Araxá, num lugarejo chamado Perdizinha”, conta. A família era muito religiosa. Dois filhos e duas filhas entraram para a igreja. Somente Manoel está vivo.
Ele e Maurina conversaram pela última vez no aniversário dela, em 18 de junho do ano passado, quando ela pediu de presente às irmãs de Catanduva a visita de sua família. Seis irmãos que ainda estão vivos, dos 12 que os pais tiveram, foram ao encontro. Na ocasião, ele ministrou uma missa ao redor da mesa, como numa refeição, e deu oportunidade para que a homenageada falasse. “Ela falou pouco, agradeceu a Deus por tudo o que fez e a família.”
O frei comprou um gravador digital para aquele encontro que, ele sabia, poderia ser o último. Conversaram sobre a infância, a veneração que ela sentia pelo pai, Antonio, e o gênio forte da mãe, Francelina, que não titubeava em distribuir varadas aos pequenos. Maurina disse que, após uma determinada missa, fez as pazes até com mãe, com quem sonhou depois. “É um mistério formidável. Ao se aproximar do final (da vida), percebo que as pessoas vão arrumando tudo para partir.”
Em janeiro, Manoel foi visitar a irmã no hospital. Muito debilitada, ela não conversou. Falou somente “frei Manoel.”
Nas missas de domingo passado, Manoel teve uma surpresa. Encontrou em Juiz de Fora as freiras da ordem do Bom Pastor que atuavam na carceragem em São Paulo e ajudaram a transferir sua irmã do presídio do Tremembé para o Carandiru. Quando começou a homilia, deu um nó na garganta e passou o microfone para a irmã Zuma, 90 anos, que contou aos fiéis a história de Maurina.

“Espalhe isso”
Manoel comenta que a família preferia não suscitar a prisão de Maurina para não provocar mais sofrimento. “Ave Maria. Meu pai era da roça. Prisão, para ele, era coisa de criminoso.” Ele conta que quando a notícia chegou à sua casa, em 1969, o pai tirou o rosário do bolso e, em lágrimas, afirmou “Deus sabe o que faz.”
Mas se antes a discrição sobre a tortura imperava, agora ele incentiva a divulgá-la. Seu irmão caçula, Francisco, o telefonou para perguntar se deveria conceder entrevista a um jornal de Goiás, na semana passada, sobre a vida da irmã. “Larga brasa, fala tudo o que for possível”, disse. Quando atendeu ao telefonema da reportagem, foi rápido: “espalhe isso aí em Ribeirão.”
Neolita partilha da ideia de que a vida de irmã Maurina deve ser divulgada, inclusive pela igreja. Ela considera que a freira teve o testemunho exemplar de uma franciscana. Cita ainda que a religiosa não quis se promover sobre o passado de tortura nem pediu indenização ao Estado. “É preciso que as pessoas conheçam a história dela, que tão perto de nós havia uma pessoa ‘guardadinha’ que era tão grande.”

domingo, 27 de fevereiro de 2011

Brasólias, cinqüentona

Nunca tinha ido a Brasília, cidade que somente me interessava, de ouvir falar e ler sobre, pelos projetos arquitetônicos e urbanísticos. Semana passada fui para a capital federal fazer matéria sobre os ministros Palocci e Wagner Rossi e o deputado federal Duarte Nogueira, os ribeirão-pretanos no centro do poder (leia no jornal A Cidade). Eis aqui minha primeira impressão sobre essa jovem senhora de 50 anos.


Uma cidade feita para políticos
A palavra política, do grego politikós, origina-se no conceito das cidades-estado da Grécia Antiga, as chamadas pólis. Brasília, que em 21 de abril completa 50 anos de “inauguração”, surgiu de um movimento aparentemente inverso: a pólis para a política.


A transferência da capital federal do Rio de Janeiro para o planalto central havia sido lançada ainda no século 19, pelos republicanos, e entrou na primeira Constituição Federal de 1891. Foi em meio ao calor de um comício que Juscelino Kubtschek questionado por um ouvinte, assumiu de supetão enfim construir a sede do poder nacional.

O plano urbanístico de Brasília é invejável, principalmente pelo sistema viário e as áreas verdes e livres. Porém, como urbe, é totalmente diferente do que se costuma viver em cidades que foram surgindo à mercê das vontades e necessidades de seu próprio povo. Brasília é um ambiente fake, um Truman Show com seu cenário todo certinho e nada fora do lugar. Falta caos urbano, interferência humana na paisagem.

É toda limitada em um desenho de avião - ou de águia, como quiser. Quem está fora quer entrar e quem está dentro luta para não sair. Tanto no âmbito das instituições quanto no próprio espaço imobiliário, que apresenta valores altíssimos. Um apartamento de um dormitório em uma das asas (Norte ou Sul) custa R$ 3.500 o aluguel.

Como todo espetáculo, Brasília também tem seus atos cronometrados. É no meio da semana que ocorrem os atos principais, quando chega o público para o qual a cidade foi erigida. Tudo se volta para os políticos e seus adjacentes, todos os serviços, dos ortodoxos aos mais informais. Na terça-feira à noite, quando sindicalistas chegavam aos hotéis do Setor Hoteleiro Norte, as moças aguardavam nas portas e até nos saguões. Saíam todas no café da manhã.

Um assessor conta que, no final de 2008, quando o Congresso votou a PEC que aumentava o número de vagas nas Câmaras municipais de todo o país, as meretrizes tomaram a Câmara federal atrás dos edis em caravanas.

Na quinta-feira pela manhã, um lobbista saiu do elevador conversando com seu chefe, no Rio de Janeiro, por meio do Skype instalado no notebook. Estava empolgado com a reunião que tivera na noite anterior com políticos, assessores e um palestino que, pelo papo, deve ser uma espécie de investidor. O rapaz, na casa dos 40 anos, acertava com o carioca o valor e os recursos (possivelmente produção de cereais) que ofereceriam no próximo encontro. Um dos benefícios que tentava alcançar era a liberação da construção de um hotel numa capital do país, cuja obra estaria embargada. O chefe, com sotaque carioca, possui rede hoteleira.

Na sexta-feira, o avião concretado no planalto central se esvai. Seus passageiros embarcam para suas origens.

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Novo álbum da PJ Harvey para audição

Que coisa! Eu jurava que ninguém vinha a esse blog sem as mensagens que mandava pro meu mailing particular (no ano passado) quando punha alguma coisa por aqui (comecei 2011 negligente). Mas não é que até esse tipo de incredulidade está se abalando?

Olha, agradeço muito aos bons de coração que rondam por aqui expontaneamente, sem as encheções de saco por e-mail. Ou então o medidor de visitas está desestabilizado.

Enfim, esse foi um nariz de cera.

O lead é que a PJ Harvey soltou o novo álbum na internet pra quem quiser ouvir - só ouvir, porque não sei se dá pra baixar. Se alguém já conseguiu um link com o disco, por favor, queira se manifestar. Grata. Aqui o link pra ouvir, ó.

Ela já havia liberdao uns clipes das novas músicas, como esse:

Vai dormir, filhinha

Foto: Mark Pain

Adão falava assim no tête-à-tête com Deus no paraíso? Peladão e tudo? Um dia eu falei assim com Ele também? Eu mesma, tem certeza? Mas disse isso mesmo que eu costumo dizer hoje pra ele? E como é que ele reagia, hein? Porque hoje, que eu sei, ou percebo, ou penso que é, ele me ouve, olha, sorri gatinho, tudo pacientemente. Às vezes, quando preciso, me aperta puxando fundo o cheiro do amaciante da roupa, de sorridentes olhos fechados e lábios laterais.

Mas o que será que ele pensa de mim? Porque o vejo sempre muito sereno. Mas alguma coisa ele deve achar. Claro, sempre besteira minha, que me preocupo com o que não deveria, dou importância ao que não se deve e me perco em mim mesma, isso é clichê, até eu sei. Mas e o que mais? Me acha engraçada? Besta demais? Vamos fazer uma sessão, Deus?

E os sacerdotes que entravam no santíssimo com a corda no pescoço, digo, na cintura, porque se desse pau eles morriam lá mesmo e os caras tinham de arrastar o presunto pra fora? Mas e eu também entraria nisso? Ai, meu Deus, me pula dessa parte do Velho Testamento, por favor, que não entendo muito. Tô precisando viver mais – e bem- esse meu atual. É isso, né? O rei mais sábio dos nossos antepassados é que dizia que é preciso saber viver. Essa história do Roberto Carlos é toda firula, copydesk total do Salomão, todo mundo quer ser igual a ele – sábio, cheio de amor pra dar and receber, rico e poderoso. Mas o fato é que Salomão declarou que bom mesmo é viver o que se tem pra hoje, né mesmo? E ele tinha 700 mulheres mais 300 concubinas, coisa pra muitos dias. Devia aproveitar cada uma como se fosse a última, eita felicidade.

E os índios, hein? Eles também ficavam pelados. O que isso tem a ver com Adão? Tamo junto e misturado?

domingo, 30 de janeiro de 2011

Eike Kuti!


Eis uma prova de que a tucanagem na linguística existe há muito e em várias culturas. Fela Kuti apresentou esse número em Berlim como um "jogo espiritual underground", o que pode ser entendido como um nome mais hype pra "macumba funk show".
 
Fela Kuti era um dos caras que nunca deveriam ter morrido.