sábado, 22 de junho de 2013

Grassmann. E Grassmann.

Marcello Grassmann morreu nesta última sexta-feira, 21 de junho. Não quero escrever sobre ele, agora; é preciso pensar muito e mais, antes. Ele me marcou profundamente, nessa conversa de horas e horas que reverbera até hoje. Fui entrevistá-lo numa época em que nem estava trabalhando, havia pedido demissão do jornal para me resolver como pessoa. Naquele meio tempo, tive um insight de ir procurá-lo. Eu sabia que era muito difícil, não falava com repórteres. Meu inconsciente o buscava, pelo simples contato que eu já havia tido com sua obra. As horas de nossa conversa me implodiram prédios. Grassmann foi ele e, assim, fez o maior bem que poderia fazer à humanidade. E a mim. 
Entrevista publicada no Jornal A Cidade, de Ribeirão Preto, em dezembro de 2011, um ano depois de nossa maior conversa. Grassmann é do interior, como eu. Nasceu em São Simão, vizinha de Ribeirão.
As fotos são da talentosa Joyce Cury e a edição é da querida mestra Rosana Zaidan.
E, por favor, não reparem no exagero dos anúncios, feios, mas necessários.










quarta-feira, 19 de junho de 2013

Aqui embaixo tem mais angústias

Eu não apostaria que o poder de manifestação vai se diluir. Nem duvidaria disso. O povo tem muitos outros itens para uma sólida e longa agenda de protestos. E, se a união da massa tropeçou nos primeiros passos após um longo hiato, a vitória com a anulação do reajuste da tarifa mostra que já começou bem o aprendizado de como tomar as ruas e reivindicar. Os pontos falhos que se apontam dubiamente, porque nem os críticos sabem se são falhas ou virtudes, têm tempo para se acertar.
Em São Paulo, Haddad, que ainda está no início do mandato, não deve se perder em lamentar os eventuais cortes que, disse, terá de fazer nos investimentos. A cobrança em cima do transporte público vai continuar, porque a tarifa, ainda muito cara aos R$ 3, é só uma parte do problema. Essa primeira mudança, com as pressões que podem se seguir, vão forçar uma profunda reforma na gestão do setor, para além das ampliações físicas como novos corredores exclusivos (promessa de campanha). Grana curta significa necessidade de redesenhar o modelo. Esse é o caminho natural, até porque os labirintos que se formaram na gestão dessa área encareceram-na de modo insustentável.
Reformas municipais
A reforma tem de sanear os ralos do serviço, desde o cálculo questionável do subsídio às transportadoras – por catraca rodada e não por Km andado- até os contratos com empresas mais questionáveis ainda, como as apontadas pela polícia civil como lavadoras do PCC, para citar um exemplo “extremo”. Ano passado mesmo fiz matéria, num plantão de final de semana, da apreensão de 650 Kg de drogas dentro da garagem de uma cooperativa da zona leste.
Nem foi a primeira vez que a polícia deflagrou o esquema da organização no local. E o contrato, público, nunca foi abalado. Nem os dirigentes detidos permaneceram presos. Aí resta a percepção de que há gente suficiente para ajudá-los a se manter livres e com o contrato de concessão pública em dia, lucrando. Por que? A quem eles interessam? Se esses, com as drogas nas mãos, contam com apoio, com que extensão de forças se sustenta o oligopólio do setor?
Senhor prefeito, não tem como não mexer nessa área.
Tarefa estadual
Com Alckmin, além de outros assuntos do Estado que desgostam o povo, como o Metrô e a CPTM insuficientes, ficará a tarefa iminente de reformar a polícia, o que já vem sendo gritado por muitos, há tempos. O que se viu da PM nas ruas de São Paulo, em 13 de junho, nem é novidade. Acontece periodicamente na periferia, virou comum, apesar de anormalíssimo. Inclusive contra jornalistas. Há alguns meses, o repórter da Folha André Caramante teve de se refugiar no exterior, após ameaças de policiais. O foco da PM está em repressão, em vez de proteção à população e desarticulação do crime.
A corporação carrega e age sob os mesmos genes de seu aparelhamento para atuação no DOP’s e atividades afins. Os métodos que hoje se vêem nas ruas, por exemplo, são da mesma expertise dos torturadores já reconhecidos pela história. É a única instituição militarizada ainda não foi reformada após a ditadura. Alckmin, que não é governador de primeira viagem, sabe disso.
Atenção federal
Nem ao governo federal e aos legisladores que sobrevoam o planalto central devem faltar protestos. Eles sabem, também, que há itens atravessados na garganta do povo, aqui embaixo. Não apenas o derrame de dinheiro nas obras da Copa, mas as tentativas de amputar o Ministério Público, os disparates de se legislar sobre a intimidade dos indivíduos e a ampla cadeia administrativa, cheia de monstros e cabides, que apavora esse país com injustiça social e econômica.
O povo só faz trabalhar para pagar, pagar, pagar. Quem consegue amealhar reais continua sendo uma pequena parcela. O próprio BNDES está aí para provar essa continuidade injusta.
Esses dias o BNDES soltou R$ 400 milhões para cobrir rombos sem fim da obra do Itaquerão (do Itaquerão!). Recentemente, deu milhões à CanaVialis, pertencente a um dos maiores grupos empresariais do país, para que investisse em tecnologia de ponta na produção do etanol. A fundo perdido. Veio a crise de 2008 e a empresa, que já tinha sacado parte do montante, foi vendida para a multinacional Monsanto, sem ressarcir os cofres públicos. Isso enquanto há um sem número de empreendedores querendo uma migalha do banco para investir no país, gerar emprego e renda. E nada para esses. Nada de estratégia em favor desses que carregam o país nas costas, atuam não apenas econômica, mas socialmente, para o desenvolvimento real do país.
Esse último absurdo nacional pode parecer longe de entrar na pauta das grandes manifestações, mas contribui muito para que ela aconteça. Não há perspectivas para os jovens, mesmo eles tendo mais acesso à educação superior, que ainda nem é tão superior assim. As tarefas básicas de cada esfera de poder não estão sendo cumpridas simplesmente porque o foco está nas articulações e na manutenção do poder, e não no cidadão e suas necessidades.
Há angústia nas ruas e nas casas. E há, também, mais informação e comunicação, mas horizontais, e não sob a velha forma de cima para baixo, por meio de um pequeno número de empresas que compõem o mainstream midiático. A angústia espalhou.

sexta-feira, 7 de junho de 2013

De quem são os custos e os benefícios dos protestos contra o aumento das tarifas do transporte público

Estou ao lado da janela, de ouvido atento aos sons para saber se a manifestação contra o aumento da passagem do transporte público, no segundo dia consecutivo, passa aqui perto de novo. Quero descer e participar. Deveria de ter já ido, não fosse um pagamento com hora para ser efetuado, no caixa eletrônico. Passei anos esperando por isso, desde que comecei a aprender o que é o mundo.
Desde o ensino fundamental tinha em mente que o povo tem de tomar a rua, para o lazer, para seus direitos e para a mudança, que também cresci desejando. Achava o máximo quando via gente esclarecida protestando por itens como o preço do transporte público nos países europeus, considerados berço da cultura moderna. E hoje acho o mínimo, o mínimo do que deve ser feito por uma população minimamente inteligente.
Mas aí hoje ouvi algumas pessoas reprovando o protesto, criticando o que foi feito porque deixou prejuízos no Metrô e num shopping. Comentaristas de TV também reprovaram com suas feições e tons de voz, além do texto. Realmente é lamentável, também acho que não deveria existir depredação alguma, nem em espaço público nem no privado. Só que, como a maioria dos atos que envolvem civilização, esse cobra um olhar mais macro, menos maniqueísta: histórico – o que fundamentalmente requer calcular os custos e os benefícios dos processos.
Não reclamam todos, direitistas e esquerdistas, de que brasileiro é passivo, tem síndrome de corno, não sabe votar nem mudar nem protestar? Comemorem, porque podemos, com esses de ontem e de hoje, ter um começo. E se não sabemos mesmo protestar, que façamos mais e mais para que possamos aprender.
Ouvi ainda que 20 centavos – a passagem do ônibus, do Metrô e do trem foi de R$ 3 para R$ 3,20- são muito pouco para justificar um protesto. Aí, acho não. Temos, nessas tarifas, um grande motivo de protesto, sim.
Por que
O bilhete já era caro, como muitos outros itens dessa São Paulo impossível de se viver, abusiva, em que apenas os que muito têm ganham dinheiro – o resto apenas trabalha para pagar uma difícil sobrevivência. O resto somos tanto os que moramos mais no centro quanto os da imensa periferia desconhecida dos mesmos que criticam o protesto (e olha que nem a grande maioria dos jornalistas sabe como é o chão tão longínquo de Parelheiros, Brasilândia, São Miguel Paulista e afins).
E, mesmo já sendo caro, esse sistema de transporte, é ineficiente e indigno. E não falo apenas pelo Metrô lotado, pelo trem transbordante e pelas estações claustrofóbicas, de tão superlotadas, que pego diariamente. Isso ainda é sorte, perto do mundo todo que depende exclusivamente da falida e congestionada rede de ônibus que encarcera esse país desconhecido que é São Paulo. Desconhecido por aqueles que têm como se considerar formador de opinião. Por que os pobres desse lugar não formam opinião: eles nem têm tempo para isso.
Pobre, em São Paulo, é muito mal tratado. É desprezado e cuspido na cara. Digo porque, nos meses em que trabalhei no jornal Agora, o único que realmente vai à periferia, percorri os imensos extremos desse mundo caótico chamado de cidade.
Esses mesmos pobres e outros trabalhadores não tão pobres, mas que têm os mesmos direitos a um transporte público digno, passam quatro, cinco ou até seis horas por dia ensardinhados nessas latas herméticas. Tempo com que poderiam investir na saúde, na educação, no lazer, no convívio com os queridos, na felicidade.
É desse transporte infernal e paraplégico de que tratam esses primeiros protestos. De um transporte injusto, que recebe mais de R$ 1 bilhão de subsídios pagos por nós, anualmente, às empresas que deveriam prestá-los com o mínimo de dignidade. O cálculo desse subsídio, que nenhum governo gosta de comentar, é baseado no número de pessoas que rodam as catracas, não na velocidade nem no Km rodado. As empresas recebem esse subsídio, que enrobusteceu ano a ano, nas últimas gestões municipais, para continuarem sem cumprir com a finalidade de transportar. Essa grana toda é queimada sem que tenhamos transporte eficiente.
Custos e benefícios
Todos sabem da velocidade média de tartaruga dos ônibus e da falta de corredores exclusivos para que andem – isso é notícia clichê. Deveria ser de conhecimento e memória geral de todos, também, que os governos historicamente escolham investir no transporte individual o dinheiro de pobres e de ricos que não sonegam, em detrimento da gestão para o coletivo.
Por essas inversões de lógica e de outras que assolam nossos cofres e nossa moral, como população, que temos de ir às ruas, mesmo que os governos tenham custos com reparos de lixeiras e vidros das estações de Metrô. A lógica é que os gestores parem de denegrir e desrespeitar a população e não que esta seja inibida ou proibida de requerer o que já era para ser feito antes, por direito. Os governos devem temer o povo, não o contrário.
Quem está depredando quem? Quem está dando prejuízo a quem? Contem os desmandos dessas gestões caducas, míopes e até maldosas, e calculem o tamanho dos custos e dos benefícios que ficam para a nossa história.
A despeito desses custos, é preciso protestar mais e contra mais desmandos, até que se equilibre o respeito entre governantes e governados. Até que a síndrome de corno exista apenas no nível individual, para azar dos que ficam muito tempo longe dos amados – talvez pelo tráfego.