segunda-feira, 31 de agosto de 2015

A Lava Jato e as eleições municipais

A Lava Jato é a maior publicidade que a lei anticorrupção (12.846/13) poderia ter. A lei nasceu com um mega caso que testa a resiliência dos grandes atores do jogo político nacional, sujando a jato o que havia de reputação. Vendo pelo lado cheio do copo, o país está mudando: tem lei anticorrupção que pegou assim que saiu do forno e está punindo os responsáveis - pessoas físicas e, agora, jurídicas (que são o alvo da nova lei).
Pelo lado vazio do copo, a prática mostra que vai ser difícil essa lei pegar nos estados e municípios, onde a lama é tão imensa e infinda que nenhum lava jato daria conta. Explico: a lei diz que cabe à administração pública lesada investigar e penalizar as empresas que a corromperam. Mas isso depende da regulamentação local, feita pelo próprio poder público, que vai investigar e punir os casos de corrupção. Precisa identificar, por exemplo, o órgão encarregado da tarefa.
Na esfera federal, isso foi regulamentado em um decreto (8.420/15) que põe a CGU (Controladoria Geral da União) como o grande órgão que executa esses procedimentos. O Estado de São Paulo e o município de São Paulo também já regulamentaram essa competência em suas instâncias.
O que gera descrença em relação ao “grosso” dos municípios e talvez estados é que não há um prazo para que cada poder regulamente a ação anticorrupção em suas cercanias. O que significa que daqui a alguns anos ainda vamos ler matérias mostrando que muita água turva rolou sem incômodo a corruptores nas cidades e nos estados – isso se houver imprensa livre nesses locais para cobrir tais pautas.
Não adianta pedir ao Ministério Público sua sempre relevante ajuda: a iniciativa é da administração, que deve regulamentar e executar investigações e penalizações.
O que resta é a pressão da população. Em 2016 haverá eleições e a principal pergunta que se deve fazer aos candidatos às prefeituras é: “quando vai regulamentar a lei anticorrupção na administração municipal, caso vença?”. Não é “se vai regulamentar”, mas “quando”. Em 2018, deve-se repetir a pergunta a candidatos ao governo em estados que ainda tardarem em pôr a lei pra funcionar nos seus domínios.
Se não for assim, esqueçam as panelas.

segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

dragagem

Era aquele verme que a tia sempre dizia, giárdia. Desconfiava que fosse. Depois, achava que era fome – foi meu desastre, porque, por anos, décadas, socava tudo que pudesse lhe pôr fim. Não deu. Com certo acompanhamento, depois do desenvolvimento intelectual e de poder atravessar a rua sem ser pega por bicicleta ou jamanta, fui ver direito. Não falo o nome. É um demônio, isso aqui. Busco desprezá-lo para não se agigantar aqui fora e me matar de vergonha, coisa que ele sabe como ninguém. Mas está aqui, sapateando e cantarolando morte e sofreguidão. É a canção que ele sabe tocar, enquanto draga o estômago da gente.

sexta-feira, 5 de setembro de 2014

Foco nos legislativos

Um dos problemas da cultura política popular brasileira é o de que o show quadrienal é sempre de um único protagonista: o candidato à presidência. Enquanto ele brilha ou apanha sob o holofote, uma multidão passa ilesa no fundo do palco, rumo aos legislativos estaduais e federais. Examina-se o candidato ao cargo máximo, de modo suficiente ou não, sem se dar a devida importância aos demais concorrentes do mesmo pleito (deputados federais e estaduais, senadores e também governadores).
Fazer o processo eleitoral todo no escuro é um risco sem tamanho. Nenhum mandatário de cargo executivo governa sozinho. Sem apoio do legislativo, não consegue mandar as boas intenções nem para o inferno.
Talvez porque se cultive aquele velho culto a salvadores da pátria (chutão meu), por aqui se centram os olhos primeiro em quem concorre à cadeira de presidente (e depois ao governo do estado), deixando que os candidatos aos legislativos federal e estaduais se acomodem como podem.
Teste de conhecimentos
Pergunte a um colega de trabalho ou de ponto de ônibus em quem vai votar para deputado. Provavelmente a resposta será para a Câmara federal. Refine a pergunta: e para deputado estadual? Não é difícil que lhe responda com um olho arregalado e ponto de interrogação cravejado na pupila.
Semana passada ouvi de um adulto que ele nem sabia, ainda, quem eram os candidatos ao governo do estado de São Paulo. Vidrei na cara dele. E ele seguiu com uma dúvida complementar: “tem eleição pra senador também? É esse ano?”.
Essa feição de “hã?” de quem é pego de surpresa, quando questionado sobre eleição, é o sinal mais claro de que o processo é desordenado. Há muita gente para ser avaliada de uma batelada só. Na Constituição de 1988, as eleições foram aglutinadas em dois blocos: o das eleições gerais, em que se escolhe numa tacada presidente da República, senadores, deputados federais, governadores e deputados estaduais, e o bloco das eleições municipais, destinadas aos prefeitos e vereadores (para alterar isso, somente uma reforma política).
Essa prática confunde a população, já que há uma grande massa que ainda não acompanha sistematicamente a política em geral, e compromete a qualidade das escolhas.
No meio político, considera-se campanha para valer depois que se inicia o horário eleitoral gratuito, com toda aquela produção de múltiplos gostos na TV, no rádio e na internet. Entre analistas, há o bordão de que eleitor decide nos últimos 15 dias da corrida. Se for isso mesmo, o processo seletivo de quase 26 mil candidatos em todo o país se dá em apenas duas semanas. Desse total de candidatos, 65,38% (ou 17 mil, concorrem aos legislativos estaduais).
Assembleia o que?
Há muito tempo vejo que pessoas de diferentes meios sociais falam muito pouco ou quase nada de deputados estaduais. Passei então a perguntar a gentes variadas, como numa pesquisa informal, o que elas sabiam sobe a assembleia legislativa. Muitos demoram para responder e alguns devolvem com uma pergunta do tipo “ah, a dos deputados?”. Precisam se certificar do significado.
Aí eu pergunto: “você sabe mais sobre os deputados federais ou os estaduais?”. Todos respondem que sabem mais sobre os federais. Nem me dou ao trabalho de perguntar em quem votou para a assembleia legislativa, na última eleição.
Essa desinformação sobre os deputados estaduais não se deve apenas aos magros hábitos de acompanhar o dia a dia político da federação, estados e municípios. Pelo menos em São Paulo, em que há 21 candidatos para cada uma das 94 vagas do legislativo estadual, há uma responsabilidade enorme da imprensa para esse cenário.
A cobertura do legislativo paulista é anêmica em geral, existindo pontualmente, em votações específicas. O dia a dia da casa fica no escuro. As pessoas não sabem o que acontece lá, como são feitos os acordos (não há trabalho legislativo sem acordo, de qualquer natureza) e como os deputados se relacionam com o governador - que tem ampla base na casa. É como se os nobres deputados estaduais não existissem, mas eles estão lá, influenciando pesadamente o destino do segundo maior orçamento do país (R$ 189 bilhões em 2014), menor apenas que o da União (R$ 2,5 trilhões em 2014).
Luz nos legislativos
O legislativo federal, por outro lado, já conta com um pouco mais de atenção midiática, embora as redações sejam enxutas e muito da atividade parlamentar se perca na poeira da história, sem um registro digno, por menor que seja. Não se sabe muito bem, por exemplo, como é o antes, o durante e o depois do trabalho de vários deputados em relação a emendas que conseguem para suas regiões de origem.
Deixa eu contar um causo. Já vi deputado alardeando na imprensa de uma região que havia conseguido verba para a construção da sede de uma instituição de caridade – à qual ele nunca foi ligado, nunca visitou nem nunca telefonou. O texto descrito em sua emenda, no entanto, destinava a verba para a prefeitura, à época dirigida por aliados. O dinheiro não chegaria diretamente à instituição: a prefeitura construiria um imóvel e o emprestaria à ong. Esse arranjo foi feito entre o deputado e o alcaide, sem nenhuma consulta à entidade, que acabou nunca se beneficiando por um centavo dessa emenda. Sabe-se lá o fim dessa grana.
Cada um dos 81 senadores e 513 deputados pode apresentar até 25 emendas ao orçamento da União. Cada um redige o texto de suas emendas, modelando a destinação dos recursos.
Um exercício de imaginação: é possível encaminhar verba da União para obras cujas licitações são ganhas por empresas que doam para campanhas do grupo do parlamentar autor, por exemplo.
Emendas são, ainda, cabos eleitorais nas regiões de seus autores. E, no Congresso, também servem para lembrar o parlamentar de como ele tem de votar – nesse caso, junto ao governo. Elas podem fazer parte dos acordos, sejam eles de qualquer natureza.
Esse é apenas um exemplo prático da influência do parlamentar federal nos rumos do país. Há muitas outras funções parlamentares, como a formulação e decisão sobre projetos de leis das mais variadas naturezas. São os parlamentares, também, que votarão os eventuais projetos de reforma política e tributária, tão esperados pela população. Eles podem, inclusive, alterar os textos.
Os exemplos acima são do Congresso nacional. Parlamentares estaduais têm as mesmas funções nas assembleias legislativas (sugestão de leitura complementar).
Isso tudo é para dizer “foque nos legislativos”: no federal (Senado e Câmara) e no estadual. Não adianta depositar todas as esperanças na candidata-salvadora ou no candidato-salvador ao executivo (federal ou estadual) sem prestar a devida atenção em quem vai receber a crucial função de legislador.
Pode-se eleger para o executivo uma figura cheia de boas intenções. Mas é o legislativo que vai ditar o ritmo de seu governo – e pode determinar também seu (in)sucesso. Há quem afirme que Collor só foi rifado porque deu de costas para o Congresso, o que também acho.
É por essa habitual desatenção aos legisladores que muita gente não se vê representada pelos políticos em cargos eletivos. Seria bom se, por favor, todos acendêssemos a luz e não estragássemos o espetáculo. 


sábado, 22 de junho de 2013

Grassmann. E Grassmann.

Marcello Grassmann morreu nesta última sexta-feira, 21 de junho. Não quero escrever sobre ele, agora; é preciso pensar muito e mais, antes. Ele me marcou profundamente, nessa conversa de horas e horas que reverbera até hoje. Fui entrevistá-lo numa época em que nem estava trabalhando, havia pedido demissão do jornal para me resolver como pessoa. Naquele meio tempo, tive um insight de ir procurá-lo. Eu sabia que era muito difícil, não falava com repórteres. Meu inconsciente o buscava, pelo simples contato que eu já havia tido com sua obra. As horas de nossa conversa me implodiram prédios. Grassmann foi ele e, assim, fez o maior bem que poderia fazer à humanidade. E a mim. 
Entrevista publicada no Jornal A Cidade, de Ribeirão Preto, em dezembro de 2011, um ano depois de nossa maior conversa. Grassmann é do interior, como eu. Nasceu em São Simão, vizinha de Ribeirão.
As fotos são da talentosa Joyce Cury e a edição é da querida mestra Rosana Zaidan.
E, por favor, não reparem no exagero dos anúncios, feios, mas necessários.










quarta-feira, 19 de junho de 2013

Aqui embaixo tem mais angústias

Eu não apostaria que o poder de manifestação vai se diluir. Nem duvidaria disso. O povo tem muitos outros itens para uma sólida e longa agenda de protestos. E, se a união da massa tropeçou nos primeiros passos após um longo hiato, a vitória com a anulação do reajuste da tarifa mostra que já começou bem o aprendizado de como tomar as ruas e reivindicar. Os pontos falhos que se apontam dubiamente, porque nem os críticos sabem se são falhas ou virtudes, têm tempo para se acertar.
Em São Paulo, Haddad, que ainda está no início do mandato, não deve se perder em lamentar os eventuais cortes que, disse, terá de fazer nos investimentos. A cobrança em cima do transporte público vai continuar, porque a tarifa, ainda muito cara aos R$ 3, é só uma parte do problema. Essa primeira mudança, com as pressões que podem se seguir, vão forçar uma profunda reforma na gestão do setor, para além das ampliações físicas como novos corredores exclusivos (promessa de campanha). Grana curta significa necessidade de redesenhar o modelo. Esse é o caminho natural, até porque os labirintos que se formaram na gestão dessa área encareceram-na de modo insustentável.
Reformas municipais
A reforma tem de sanear os ralos do serviço, desde o cálculo questionável do subsídio às transportadoras – por catraca rodada e não por Km andado- até os contratos com empresas mais questionáveis ainda, como as apontadas pela polícia civil como lavadoras do PCC, para citar um exemplo “extremo”. Ano passado mesmo fiz matéria, num plantão de final de semana, da apreensão de 650 Kg de drogas dentro da garagem de uma cooperativa da zona leste.
Nem foi a primeira vez que a polícia deflagrou o esquema da organização no local. E o contrato, público, nunca foi abalado. Nem os dirigentes detidos permaneceram presos. Aí resta a percepção de que há gente suficiente para ajudá-los a se manter livres e com o contrato de concessão pública em dia, lucrando. Por que? A quem eles interessam? Se esses, com as drogas nas mãos, contam com apoio, com que extensão de forças se sustenta o oligopólio do setor?
Senhor prefeito, não tem como não mexer nessa área.
Tarefa estadual
Com Alckmin, além de outros assuntos do Estado que desgostam o povo, como o Metrô e a CPTM insuficientes, ficará a tarefa iminente de reformar a polícia, o que já vem sendo gritado por muitos, há tempos. O que se viu da PM nas ruas de São Paulo, em 13 de junho, nem é novidade. Acontece periodicamente na periferia, virou comum, apesar de anormalíssimo. Inclusive contra jornalistas. Há alguns meses, o repórter da Folha André Caramante teve de se refugiar no exterior, após ameaças de policiais. O foco da PM está em repressão, em vez de proteção à população e desarticulação do crime.
A corporação carrega e age sob os mesmos genes de seu aparelhamento para atuação no DOP’s e atividades afins. Os métodos que hoje se vêem nas ruas, por exemplo, são da mesma expertise dos torturadores já reconhecidos pela história. É a única instituição militarizada ainda não foi reformada após a ditadura. Alckmin, que não é governador de primeira viagem, sabe disso.
Atenção federal
Nem ao governo federal e aos legisladores que sobrevoam o planalto central devem faltar protestos. Eles sabem, também, que há itens atravessados na garganta do povo, aqui embaixo. Não apenas o derrame de dinheiro nas obras da Copa, mas as tentativas de amputar o Ministério Público, os disparates de se legislar sobre a intimidade dos indivíduos e a ampla cadeia administrativa, cheia de monstros e cabides, que apavora esse país com injustiça social e econômica.
O povo só faz trabalhar para pagar, pagar, pagar. Quem consegue amealhar reais continua sendo uma pequena parcela. O próprio BNDES está aí para provar essa continuidade injusta.
Esses dias o BNDES soltou R$ 400 milhões para cobrir rombos sem fim da obra do Itaquerão (do Itaquerão!). Recentemente, deu milhões à CanaVialis, pertencente a um dos maiores grupos empresariais do país, para que investisse em tecnologia de ponta na produção do etanol. A fundo perdido. Veio a crise de 2008 e a empresa, que já tinha sacado parte do montante, foi vendida para a multinacional Monsanto, sem ressarcir os cofres públicos. Isso enquanto há um sem número de empreendedores querendo uma migalha do banco para investir no país, gerar emprego e renda. E nada para esses. Nada de estratégia em favor desses que carregam o país nas costas, atuam não apenas econômica, mas socialmente, para o desenvolvimento real do país.
Esse último absurdo nacional pode parecer longe de entrar na pauta das grandes manifestações, mas contribui muito para que ela aconteça. Não há perspectivas para os jovens, mesmo eles tendo mais acesso à educação superior, que ainda nem é tão superior assim. As tarefas básicas de cada esfera de poder não estão sendo cumpridas simplesmente porque o foco está nas articulações e na manutenção do poder, e não no cidadão e suas necessidades.
Há angústia nas ruas e nas casas. E há, também, mais informação e comunicação, mas horizontais, e não sob a velha forma de cima para baixo, por meio de um pequeno número de empresas que compõem o mainstream midiático. A angústia espalhou.

sexta-feira, 7 de junho de 2013

De quem são os custos e os benefícios dos protestos contra o aumento das tarifas do transporte público

Estou ao lado da janela, de ouvido atento aos sons para saber se a manifestação contra o aumento da passagem do transporte público, no segundo dia consecutivo, passa aqui perto de novo. Quero descer e participar. Deveria de ter já ido, não fosse um pagamento com hora para ser efetuado, no caixa eletrônico. Passei anos esperando por isso, desde que comecei a aprender o que é o mundo.
Desde o ensino fundamental tinha em mente que o povo tem de tomar a rua, para o lazer, para seus direitos e para a mudança, que também cresci desejando. Achava o máximo quando via gente esclarecida protestando por itens como o preço do transporte público nos países europeus, considerados berço da cultura moderna. E hoje acho o mínimo, o mínimo do que deve ser feito por uma população minimamente inteligente.
Mas aí hoje ouvi algumas pessoas reprovando o protesto, criticando o que foi feito porque deixou prejuízos no Metrô e num shopping. Comentaristas de TV também reprovaram com suas feições e tons de voz, além do texto. Realmente é lamentável, também acho que não deveria existir depredação alguma, nem em espaço público nem no privado. Só que, como a maioria dos atos que envolvem civilização, esse cobra um olhar mais macro, menos maniqueísta: histórico – o que fundamentalmente requer calcular os custos e os benefícios dos processos.
Não reclamam todos, direitistas e esquerdistas, de que brasileiro é passivo, tem síndrome de corno, não sabe votar nem mudar nem protestar? Comemorem, porque podemos, com esses de ontem e de hoje, ter um começo. E se não sabemos mesmo protestar, que façamos mais e mais para que possamos aprender.
Ouvi ainda que 20 centavos – a passagem do ônibus, do Metrô e do trem foi de R$ 3 para R$ 3,20- são muito pouco para justificar um protesto. Aí, acho não. Temos, nessas tarifas, um grande motivo de protesto, sim.
Por que
O bilhete já era caro, como muitos outros itens dessa São Paulo impossível de se viver, abusiva, em que apenas os que muito têm ganham dinheiro – o resto apenas trabalha para pagar uma difícil sobrevivência. O resto somos tanto os que moramos mais no centro quanto os da imensa periferia desconhecida dos mesmos que criticam o protesto (e olha que nem a grande maioria dos jornalistas sabe como é o chão tão longínquo de Parelheiros, Brasilândia, São Miguel Paulista e afins).
E, mesmo já sendo caro, esse sistema de transporte, é ineficiente e indigno. E não falo apenas pelo Metrô lotado, pelo trem transbordante e pelas estações claustrofóbicas, de tão superlotadas, que pego diariamente. Isso ainda é sorte, perto do mundo todo que depende exclusivamente da falida e congestionada rede de ônibus que encarcera esse país desconhecido que é São Paulo. Desconhecido por aqueles que têm como se considerar formador de opinião. Por que os pobres desse lugar não formam opinião: eles nem têm tempo para isso.
Pobre, em São Paulo, é muito mal tratado. É desprezado e cuspido na cara. Digo porque, nos meses em que trabalhei no jornal Agora, o único que realmente vai à periferia, percorri os imensos extremos desse mundo caótico chamado de cidade.
Esses mesmos pobres e outros trabalhadores não tão pobres, mas que têm os mesmos direitos a um transporte público digno, passam quatro, cinco ou até seis horas por dia ensardinhados nessas latas herméticas. Tempo com que poderiam investir na saúde, na educação, no lazer, no convívio com os queridos, na felicidade.
É desse transporte infernal e paraplégico de que tratam esses primeiros protestos. De um transporte injusto, que recebe mais de R$ 1 bilhão de subsídios pagos por nós, anualmente, às empresas que deveriam prestá-los com o mínimo de dignidade. O cálculo desse subsídio, que nenhum governo gosta de comentar, é baseado no número de pessoas que rodam as catracas, não na velocidade nem no Km rodado. As empresas recebem esse subsídio, que enrobusteceu ano a ano, nas últimas gestões municipais, para continuarem sem cumprir com a finalidade de transportar. Essa grana toda é queimada sem que tenhamos transporte eficiente.
Custos e benefícios
Todos sabem da velocidade média de tartaruga dos ônibus e da falta de corredores exclusivos para que andem – isso é notícia clichê. Deveria ser de conhecimento e memória geral de todos, também, que os governos historicamente escolham investir no transporte individual o dinheiro de pobres e de ricos que não sonegam, em detrimento da gestão para o coletivo.
Por essas inversões de lógica e de outras que assolam nossos cofres e nossa moral, como população, que temos de ir às ruas, mesmo que os governos tenham custos com reparos de lixeiras e vidros das estações de Metrô. A lógica é que os gestores parem de denegrir e desrespeitar a população e não que esta seja inibida ou proibida de requerer o que já era para ser feito antes, por direito. Os governos devem temer o povo, não o contrário.
Quem está depredando quem? Quem está dando prejuízo a quem? Contem os desmandos dessas gestões caducas, míopes e até maldosas, e calculem o tamanho dos custos e dos benefícios que ficam para a nossa história.
A despeito desses custos, é preciso protestar mais e contra mais desmandos, até que se equilibre o respeito entre governantes e governados. Até que a síndrome de corno exista apenas no nível individual, para azar dos que ficam muito tempo longe dos amados – talvez pelo tráfego.

quarta-feira, 6 de julho de 2011

Musa da Flip com propriedade

E aqui segue ligeira entrevista por e-mai com a argentina Pola Oloixarac, que lança As Teorias Selvagens nesta Flip.

Enviei e-mail à escritora na semana passada, mas me respondeu apenas agora porque estava em viagem ao Brasil. Por causa do vulcão chileno que escureceu o espaço aéreo da Patagônia, ela foi de Bariloche a Buenos Aires de ônibus, num caminho longo de quase 20 horas em que diz ter apreciado cenas do século 19.

Minha ideia inicial era inserir um comentário dela sobre sua participação na Flip em uma matéria que saiu no último domingo no jornal em que trabalho. Não deu tempo, então posto as respostas da mui cortês Pola.

Estou em viagem, desculpa para não escrever muito, mas deixar como referência um ótimo texto da Raquel Cozer, no Estadão, em que fica claro por que Pola é, além de musa dessa Flip, um nome comentado no meio literário.

Em tempo: ainda não li nada produzido por Pola, uma pena. Por isso as perguntas, apesar de breves, são tão superficiais. Escusas.


Los escritores contemporáneos brasileños se encuentran en una controversia que algunos críticos empezaran – ellos dijeran que nada de nuevo ocorre en la literatura del país. ¿Como es la relación de la crítica con los jovenes y contemporáneos escritores argentinos?
Los criticos se quejan siempre... es su trabajo! En Argentina hay muchos jóvenes publicando, y como los mismos escritores suelen ser críticos o editores, además de amigos entre sí, eso promueve bastante la circulación. Es algo muy reciente: para darte un ejemplo, hace cuatro años salía un artículo en el diario acerca de la "literatura joven"... con escritores de 50 años! De pronto todo eso cambió. La literatura funciona un poco en la lógica de la patota, grupos ambiciosos que van imponiéndose. Lo que decís lo vi ocurrir en España también, es una polémica similar. Mi sugerencia sería que infiltren agentes propios en el establishment... 

Su presencia es muy esperada sobre todo por los hombres. No lo importan si el italiano Tabucchi no viene, pero sí si usted viene. ¿Lo que piensa sobre eso? ¿Te importa ser la sensacion de la fiesta?
hahahah los brasileros son tan locos y encantadores... pero ahora que lo dices, será por eso que el Tabucchi canceló sua vinda? 

¿Em qué piensas mientras se prepara para hacer frente a tantas horas en la carretera, por el volcán?
 Por suerte la carretera ya pasó! Y fue lindo, muy siglo XIX: sin internet, solo descansando y leyendo,con el teleofno apagado, la verdad que lo disfruté!

domingo, 3 de julho de 2011

Loyolão só na criação

André Brandão

E o Loyola, minha gente? Pura gentileza. Também respondeu por e-mail para a mesma materinha em que pincelei o Valter Hugo Mãe. E das respostas dele ficou um reforço na certeza que eu já possuía: a mesa dele com o Antonio Tabucchi dificilmente será superada pela nova montagem. Nada contra o Contardo Calligaris, que substitui o conterrâneo, mas Loyola e Tabucchi têm uma história juntos e esse fato já dispara à frente, nas interessâncias.
Mais uma vez, agora graças ao STF e ao governo brasileiro que acolheram Cesare Battisti, ficamos sem Tabucchi.
Eis o Loyola, que ainda torpedeia qualquer menção de embate entre crítica e autores: “que criem.”

O sr. já participou de muitos eventos de literatura, inclusive aqui em Ribeirão. Como se prepara para cada um deles? Para a Flip há alguma orientação da organização ou alguma preocupação específica sua? Teve de reformular sua “preparação” após a desistência do Antonio Tabucchi?

Escolho o tema que pretendo abordar, pesquiso, penso, converso com amigos chegados e deixo o resto por conta do momento, porque quando se sobe no palco as vezes tudo muda. Adoro os improvisos.
Em relação à Flip, não existem orientações especificas, eles sabem que estão convidando profissionais com experiência e longo trajeto.
Claro que tenho de reformular minha participação. Não posso conversar com Contardo o que eu ia conversar com Tabucchi. O titulo da mesa será Ficções da Crônica. Nesta mesa, seremos dois com um mediador a nos ligar. Significa que seremos entrevistados. Sou um romancista que se tornou cronista. Contardo é um cronista que se transformou em romancista. Vai ser tudo na hora, vamos ver.

O sr. poderia comentar o que gostaria de indagar ao Tabucchi, por favor? E com o Contardo, por que lugares sua conversa deve prosseguir?
Falaria um pouco de nosso período na  Toscana, enquanto ele traduzia Zero o dia todo, depois saíamos de bicicleta a passear pelos campos e vinhedos, parando para tomar vinho, ou comer presuntos da montanha, salames, etc. Dos jogos de futebol que víamos pela TV. Dos almoços no restaurante de um amigo dele e que era localizado na sede do Partido Comunista de Vecchiano, onde ele mora, quando na Itália. Depois conversaria sobre a carreira dele, sobre Fernando Pessoa, em quem ele a sua mulher, Maria José, são especialistas, a sua fixação no tema ‘o tempo’, o cinema, etc. E claro, ia perguntar sobre Berlusconi, os novos autores italianos e o cinema italiano atual. Teríamos tempo?

Em maio de 2007, quando esteve na Feira do Livro de Ribeirão, toda sua participação foi sobre o processo em que escreveu “Não verás país nenhum” e a contemporaneidade do livro. É o trabalho que tem maior apelo do público, nesses eventos?
Falei de Não Verás naquele momento porque o livro comemorava 25 anos de existência e se mostrava mais atual. Cada momento é momento de um livro. Veia Bailarina entra muito em órbita, bem como O Anônimo Célebre. Agora, me perguntam muito sobre minha literatura infantil com O Menino que Vendia Palavras e O Menino que Perguntava. Felizmente tenho nada menos de 36 livrosa, a variedade é grande.

Que mesa(s) o sr. gostaria de assistir nessa Flip?
Vou ver o máximo, mas não quero perder Ellroy, nem a argentina de nome esquisito, nem o Neuman, nem o Zé Celso. Como tenho crachá, posso entrar em todas e, se me chatear, me vou.

Recentemente houve uma certa polêmica após os críticos Alcir Pécora e Beatriz Resende afirmarem que nada de novo acontece, na literatura brasileira. O comentário procede? Isso  jogou mais luz para a vitrine dos novos autores, de alguma forma? Acha que essas controvérsias ecoam em eventos do porte como a Flip ou ficam apenas para as conversas de bar?
Não entro nessas de críticos e panoramas e polêmicas desse gênero. Minha vida é criar, que todos criem. Os ensaístas e terceiros é que ficam espevitados, levantando esses debates. Caio fora dessas. Que falem o que quiserem e me deixem em paz. Ou deixem os outros em paz.

Seus putos

E no seu blog Ossos do Ofídio, Marcelino conta um pouco de como ele e Valter Hugo Mãe se conheceram.
Marcelino já tinha visto ouro no Mãe há mais tempo. Leia aqui, ó.

Bárbaro angolano


(Não sei de quem é a foto. Por favor, seu dono da foto, se pronuncie. Ou quem souber. Obrigada.)

Já gostei bastante de muitos autores, muito de alguns. E me surpreendi efusivamente com esse aqui, Valter Hugo Mãe. Li seu o remorso de baltazar serapião assim que saiu no Brasil e, já era, arrebatou-me. Quando soube que viria à Flip, puxa, excitei-me.
O angolano residente em Portugal destrói. E monta uma nova língua, outra narrativa. Agora ele vai lançar por aqui a máquina de fazer espanhóis.
Muito gentil, respondeu a perguntas que enviei por e-mail para uma materinha sobre a Flip, que saiu hoje no jornal em que trabalho.
Posto as respostas integralmente, porque, pena, não deu pra pôr tudo, jornal tem dessas coisas. Aqui ele comenta sua escrita, a amizade com os brasileiros Marcelino Freire e João Paulo Cuenca, a expectativa por Lourenço Mutarelli e uma curiosidade minha sobre os Sarga, a família de o remorso....
E que engraçado. Ele diz ter sido coincidência, mas aconteceu. Enviei dois e-mails. O primeiro, no padrão de caixas altas e baixas. O segundo, em minúsculas, como ele escreve. Foi a esse que ele respondeu.  
uma das recentes polêmicas no meio literário, no brasil, iniciou-se com o comentário de alguns críticos sobre autores contemporâneos. eles afirmam que “nada ocorre de novo”, o que pôs fogo na outra parte. como tem sido a relação da crítica com os escritores contemporâneos, em portugal?
A relação com a crítica é sempre um pouco cínica, e creio que não haverá cura para isso. É certo que a geração a que pertenço em Portugal tem sido muito acarinhada e até já acusada de ser excepcional, dada a diversidade e qualidade. Eu não teria - não tenho - nada por que me queixar. Tenho ouvido muito essa coisa de os novos autores brasileiros não trazerem algo de novo. Não tenho uma leitura de perto, do todo, mas gosto muito de alguns autores, como Marcelino Freire ou Bernardo Carvalho, que serão dois nomes muito presentes, muito actuais e muito diferentes um do outro. Como dizer que não trazem nada de novo? A mim parecem-me muito novos. Alguém me explica? E o Mutarelli?

li em algum lugar um comentário seu de que em portugal os jovens escritores não se comungam nem fazem turmas, como no brasil. na flip, haverá vários deles com seus amigos. espera ser incorporado prontamente em alguma roda, quando chegar a paraty? já foi abordado por alguém do meio ao menos por e-mail, como primeiro contato?
Não espero entrar em rodas. Quero muito que as pessoas me aceitem como sou e que se disponham a uma relação livre, sincera. Eu conheço pessoalmente uns poucos escritores brasileiros por quem estou desenvolvendo algum carinho. Marcelino é um deles. Encontrei já João Paulo Cuenca e ele foi sempre muito atento comigo e creio que viramos admiradores um do outro. Eu não sei se Cuenca e Marcelino são sequer amigos, mas gostaria de acreditar que mesmo não o sendo possam seguir tendo por mim o cuidado que tenho com eles e essa sincera admiração. Agora, se me quiserem comprar, assumo que tenho alguns heróis por aí aos quais me rendo, como Rubem Fonseca ou João Ubaldo Ribeiro. Podem subornar-me com eles, que eu deixo. Ah, e vou maravilhado com a oportunidade de conhecer pessoalmente o Lourenço Mutarelli e agradecer seriamente pela capa e orelha linda que fez para o meu livro. E parabenizá-lo por ser um escritor/artista fantástico.

continua com o mesmo estilo e o mesmo ritmo de o remorso... nos seus novos trabalhos? a quem mostrou aquele texto de o remorso... pela primeira vez? sabia que aquilo teria algum tipo de impacto entre os leitores lusófonos? imaginava o que? foi proposital?
Não. Tenho muito medo de criar fórmulas às quais me renda para sempre. Pelo que o estilo meio medieval desse livro ficou ali. Claro que alguns tiques serão meus, como algo que não posso recusar porque faz parte da minha assinatura criativa. Mas, por exemplo, «a máquina de fazer espanhóis», que a Cosac Naify está publicando para a FLIP, tem um ritmo diferente e a linguagem não se deturpa daquele mesmo modo. A linguagem é um pouco mais linear, embora sempre com algum fascínio pela busca de uma certa expressão poética.
Tive algum receio do livro porque temi a sua violência. Mas creio que as mulheres não tiveram nunca redenção e é preciso que o macho estúpido seja absolutamente flagrado e erradicado.
Procuro nunca criar grandes expectativas com o que faço. Porque o amor que desenvolvemos pelo que nos pertence pode cegar e pode não ser sedutor aos outros. Assim, prefiro sempre escrever como se estivesse sozinho no mundo. Depois, vivo a maravilha de perceber que existem pessoas e de algumas serem minhas leitoras. Fico incrivelmente contente com isso. E grato.

os sarga comem carne bovina? Você já teve uma vaca alguma vez?
Eu creio que, como bestiais que são, comem de tudo. E não. Nunca tive um animal tão grande. Tive três cães, um cágado e um esquilo. À morte de cada cão a tristeza era tão grande que desisti. Não podia mais. Pensei depois que um cágado seria mais seguro. Dificilmente morrem e não fogem do aquário. Contudo, o meu desapareceu. Nunca percebi como. E eu chorei outra vez de mais. O esquilo, morreu à fome. Armazenava a comida debaixo dos trapos na gaiola e vinha pedir sempre mais. Um dia, percebi que não comia de todo. Devia estar à espera do inverno para parar com a poupança. Numa manhã ficou de barriga ao ar. Burro, morreu literalmente de fome sobre um quilo da melhor semente de girassol.