domingo, 29 de maio de 2011

i can see you in the iphone

(aconteceu agora à noite, verdade)

Passei por eles ainda no estacionamento do supermercado. Eu ultrapassava pela esquerda quase ao mesmo passo dos dois adultos, que puxavam a menina de uns três anos, no máximo, entre eles. Ele, de calça jeans e pólo rosa. Ela, horrorosa de legging, meia, chinelo e cabelo preso, além dos óculos comuns. A menina, de olhar distante e vestidinho azul marinho, e os cabelos dourados abaixo dos ombros.

- Vai, vai fazer, sim, ela mandava.

- ...é que a Clara pegou um recado no meu celular que é desse telefone, ele explicava à provável interlocutora.

Olhei para as caras no instante. Sempre tenho curiosidade de ver as caras que o povo faz nos mais diversos momentos, do bem ao mal, se é que me entende. Nem aí pra mim, os dois. Quando eu voltava para a porta da loja com o carrinho, escutei os desmandos dela atrás da pirâmide de compotas, massas e bolachas de uma das marcas da empresa proprietária do supermercado 24 horas. Domingo à noite o lugar sempre enche. E os ouvidos do cara também enchiam.

Adoro os cortes de carnes que essa rede vende. Fico a apalpar até os que não levo, apenas para descobrir um pouco mais da textura de cada parte do boi que deu a vida para que aquela geladeira estivesse lotada, ali, à minha espera. Quase nem como carne vermelha, mas quase toda vez saio de lá com um pacote de costela recheada, maminha ou qualquer coisa assim. Meus dedos afundavam num pedaço de bife no estilo chouriço, o argentino, enquanto os dois avançavam o final do corredor, em minha direção. Tive medo da voz esganiçada.

Piorou quando, por outro caminho, cruzei com eles novamente nos iogurtes. Quebrei a bandeja de danoninho arremessada no andar de cima do carrinho e dei no pé, mas deu pra ver, no soslaio, os dois amarfagados no canto dos requeijões light de 170 gr. E a menina embaixo, não sei se no chão ou no carrinho, porque agora eles tinham um, não sei também ao certo.

- Você está sendo chata.

- Ah, eu estou sendo chata?

Estavam. Ninguém precisa ficar lembrando todo o público do supermercado que todos ali também já foram falidos em alguma relação, corneado ou chifrando. Muito chato mesmo, desnecessário pra um fim de final de semana.

Livrei-me na gôndola dos doces de leite, onde normalmente reina a paz. Até tive repentina alegria ao reconhecer que uma das melhores marcas, de Avaré, agora vende no supermercado que eu freqüento – ou freqüentava. Mas meu potinho quase ruiu debaixo do braço no momento em que o cara passou com a filha no colo, rumo à porta, me atropelando a dois metros do caixa. Sozinho, com a menina. Ele falava qualquer coisa no ouvido da criança, a passos mais que larguíssimos.

Claro que o recado no celular era pra ele. O cara falou ao telefone com calma e desenvoltura plausíveis somente se a pessoa do outro lado já está treinada para esse tipo de operação de risco. Certeza mesmo que ele tem outra porque aquilo ali que eles fizeram, meu filho, minha filha, é como levantar defunto pra uma voltinha vespertina com o cachorro na pracinha do bairro. E de prêmio, a outra é conhecida dos dois. Lembra como ele iniciou a conversa no telefonema? “...é que a Clara pegou um recado no celular...” O seu recado, gata. Tipo cats miam and i wanna rock'n roll al night.

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