domingo, 3 de julho de 2011

Bárbaro angolano


(Não sei de quem é a foto. Por favor, seu dono da foto, se pronuncie. Ou quem souber. Obrigada.)

Já gostei bastante de muitos autores, muito de alguns. E me surpreendi efusivamente com esse aqui, Valter Hugo Mãe. Li seu o remorso de baltazar serapião assim que saiu no Brasil e, já era, arrebatou-me. Quando soube que viria à Flip, puxa, excitei-me.
O angolano residente em Portugal destrói. E monta uma nova língua, outra narrativa. Agora ele vai lançar por aqui a máquina de fazer espanhóis.
Muito gentil, respondeu a perguntas que enviei por e-mail para uma materinha sobre a Flip, que saiu hoje no jornal em que trabalho.
Posto as respostas integralmente, porque, pena, não deu pra pôr tudo, jornal tem dessas coisas. Aqui ele comenta sua escrita, a amizade com os brasileiros Marcelino Freire e João Paulo Cuenca, a expectativa por Lourenço Mutarelli e uma curiosidade minha sobre os Sarga, a família de o remorso....
E que engraçado. Ele diz ter sido coincidência, mas aconteceu. Enviei dois e-mails. O primeiro, no padrão de caixas altas e baixas. O segundo, em minúsculas, como ele escreve. Foi a esse que ele respondeu.  
uma das recentes polêmicas no meio literário, no brasil, iniciou-se com o comentário de alguns críticos sobre autores contemporâneos. eles afirmam que “nada ocorre de novo”, o que pôs fogo na outra parte. como tem sido a relação da crítica com os escritores contemporâneos, em portugal?
A relação com a crítica é sempre um pouco cínica, e creio que não haverá cura para isso. É certo que a geração a que pertenço em Portugal tem sido muito acarinhada e até já acusada de ser excepcional, dada a diversidade e qualidade. Eu não teria - não tenho - nada por que me queixar. Tenho ouvido muito essa coisa de os novos autores brasileiros não trazerem algo de novo. Não tenho uma leitura de perto, do todo, mas gosto muito de alguns autores, como Marcelino Freire ou Bernardo Carvalho, que serão dois nomes muito presentes, muito actuais e muito diferentes um do outro. Como dizer que não trazem nada de novo? A mim parecem-me muito novos. Alguém me explica? E o Mutarelli?

li em algum lugar um comentário seu de que em portugal os jovens escritores não se comungam nem fazem turmas, como no brasil. na flip, haverá vários deles com seus amigos. espera ser incorporado prontamente em alguma roda, quando chegar a paraty? já foi abordado por alguém do meio ao menos por e-mail, como primeiro contato?
Não espero entrar em rodas. Quero muito que as pessoas me aceitem como sou e que se disponham a uma relação livre, sincera. Eu conheço pessoalmente uns poucos escritores brasileiros por quem estou desenvolvendo algum carinho. Marcelino é um deles. Encontrei já João Paulo Cuenca e ele foi sempre muito atento comigo e creio que viramos admiradores um do outro. Eu não sei se Cuenca e Marcelino são sequer amigos, mas gostaria de acreditar que mesmo não o sendo possam seguir tendo por mim o cuidado que tenho com eles e essa sincera admiração. Agora, se me quiserem comprar, assumo que tenho alguns heróis por aí aos quais me rendo, como Rubem Fonseca ou João Ubaldo Ribeiro. Podem subornar-me com eles, que eu deixo. Ah, e vou maravilhado com a oportunidade de conhecer pessoalmente o Lourenço Mutarelli e agradecer seriamente pela capa e orelha linda que fez para o meu livro. E parabenizá-lo por ser um escritor/artista fantástico.

continua com o mesmo estilo e o mesmo ritmo de o remorso... nos seus novos trabalhos? a quem mostrou aquele texto de o remorso... pela primeira vez? sabia que aquilo teria algum tipo de impacto entre os leitores lusófonos? imaginava o que? foi proposital?
Não. Tenho muito medo de criar fórmulas às quais me renda para sempre. Pelo que o estilo meio medieval desse livro ficou ali. Claro que alguns tiques serão meus, como algo que não posso recusar porque faz parte da minha assinatura criativa. Mas, por exemplo, «a máquina de fazer espanhóis», que a Cosac Naify está publicando para a FLIP, tem um ritmo diferente e a linguagem não se deturpa daquele mesmo modo. A linguagem é um pouco mais linear, embora sempre com algum fascínio pela busca de uma certa expressão poética.
Tive algum receio do livro porque temi a sua violência. Mas creio que as mulheres não tiveram nunca redenção e é preciso que o macho estúpido seja absolutamente flagrado e erradicado.
Procuro nunca criar grandes expectativas com o que faço. Porque o amor que desenvolvemos pelo que nos pertence pode cegar e pode não ser sedutor aos outros. Assim, prefiro sempre escrever como se estivesse sozinho no mundo. Depois, vivo a maravilha de perceber que existem pessoas e de algumas serem minhas leitoras. Fico incrivelmente contente com isso. E grato.

os sarga comem carne bovina? Você já teve uma vaca alguma vez?
Eu creio que, como bestiais que são, comem de tudo. E não. Nunca tive um animal tão grande. Tive três cães, um cágado e um esquilo. À morte de cada cão a tristeza era tão grande que desisti. Não podia mais. Pensei depois que um cágado seria mais seguro. Dificilmente morrem e não fogem do aquário. Contudo, o meu desapareceu. Nunca percebi como. E eu chorei outra vez de mais. O esquilo, morreu à fome. Armazenava a comida debaixo dos trapos na gaiola e vinha pedir sempre mais. Um dia, percebi que não comia de todo. Devia estar à espera do inverno para parar com a poupança. Numa manhã ficou de barriga ao ar. Burro, morreu literalmente de fome sobre um quilo da melhor semente de girassol.

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