Eu não apostaria que o poder de manifestação vai se diluir. Nem
duvidaria disso. O povo tem muitos outros itens para uma sólida e longa agenda
de protestos. E, se a união da massa tropeçou nos primeiros passos após um
longo hiato, a vitória com a anulação do reajuste da tarifa mostra que já começou
bem o aprendizado de como tomar as ruas e reivindicar. Os pontos falhos que se apontam
dubiamente, porque nem os críticos sabem se são falhas ou virtudes, têm tempo
para se acertar.
Em São Paulo, Haddad, que ainda está no início do mandato,
não deve se perder em lamentar os eventuais cortes que, disse, terá de fazer
nos investimentos. A cobrança em cima do transporte público vai continuar,
porque a tarifa, ainda muito cara aos R$ 3, é só uma parte do problema. Essa
primeira mudança, com as pressões que podem se seguir, vão forçar uma profunda
reforma na gestão do setor, para além das ampliações físicas como novos corredores
exclusivos (promessa de campanha). Grana curta significa necessidade de redesenhar
o modelo. Esse é o caminho natural, até porque os labirintos que se formaram na
gestão dessa área encareceram-na de modo insustentável.
Reformas municipais
A reforma tem de sanear os ralos do serviço, desde o cálculo
questionável do subsídio às transportadoras – por catraca rodada e não por Km
andado- até os contratos com empresas mais questionáveis ainda, como as
apontadas pela polícia civil como lavadoras do PCC, para citar um exemplo “extremo”.
Ano passado mesmo fiz matéria, num plantão de final de semana, da apreensão de 650
Kg de drogas dentro da garagem de uma cooperativa da zona leste.
Nem foi a primeira vez que a polícia deflagrou o esquema da
organização no local. E o contrato, público, nunca foi abalado. Nem os dirigentes
detidos permaneceram presos. Aí resta a percepção de que há gente suficiente
para ajudá-los a se manter livres e com o contrato de concessão pública em dia,
lucrando. Por que? A quem eles interessam? Se esses, com as drogas nas mãos,
contam com apoio, com que extensão de forças se sustenta o oligopólio do setor?
Senhor prefeito, não tem como não mexer nessa área.
Tarefa estadual
Com Alckmin, além de outros assuntos do Estado que desgostam
o povo, como o Metrô e a CPTM insuficientes, ficará a tarefa iminente de
reformar a polícia, o que já vem sendo gritado por muitos, há tempos. O que se
viu da PM nas ruas de São Paulo, em 13 de junho, nem é novidade. Acontece periodicamente
na periferia, virou comum, apesar de anormalíssimo. Inclusive contra
jornalistas. Há alguns meses, o repórter da Folha André Caramante teve de se
refugiar no exterior, após ameaças de policiais. O foco da PM está em
repressão, em vez de proteção à população e desarticulação do crime.
A corporação carrega e age sob os mesmos genes de seu
aparelhamento para atuação no DOP’s e atividades afins. Os métodos que hoje se
vêem nas ruas, por exemplo, são da mesma expertise dos torturadores já
reconhecidos pela história. É a única instituição militarizada ainda não foi
reformada após a ditadura. Alckmin, que não é governador de primeira viagem,
sabe disso.
Atenção federal
Nem ao governo federal e aos legisladores que sobrevoam o
planalto central devem faltar protestos. Eles sabem, também, que há itens
atravessados na garganta do povo, aqui embaixo. Não apenas o derrame de
dinheiro nas obras da Copa, mas as tentativas de amputar o Ministério Público,
os disparates de se legislar sobre a intimidade dos indivíduos e a ampla cadeia
administrativa, cheia de monstros e cabides, que apavora esse país com
injustiça social e econômica.
O povo só faz trabalhar para pagar, pagar, pagar. Quem
consegue amealhar reais continua sendo uma pequena parcela. O próprio BNDES
está aí para provar essa continuidade injusta.
Esses dias o BNDES soltou R$ 400 milhões para cobrir rombos sem
fim da obra do Itaquerão (do Itaquerão!). Recentemente, deu milhões à CanaVialis,
pertencente a um dos maiores grupos empresariais do país, para que investisse
em tecnologia de ponta na produção do etanol. A fundo perdido. Veio a crise de
2008 e a empresa, que já tinha sacado parte do montante, foi vendida para a multinacional
Monsanto, sem ressarcir os cofres públicos. Isso enquanto há um sem número de
empreendedores querendo uma migalha do banco para investir no país, gerar
emprego e renda. E nada para esses. Nada de estratégia em favor desses que
carregam o país nas costas, atuam não apenas econômica, mas socialmente, para o
desenvolvimento real do país.
Esse último absurdo nacional pode parecer longe de entrar na
pauta das grandes manifestações, mas contribui muito para que ela aconteça. Não
há perspectivas para os jovens, mesmo eles tendo mais acesso à educação
superior, que ainda nem é tão superior assim. As tarefas básicas de cada esfera
de poder não estão sendo cumpridas simplesmente porque o foco está nas articulações
e na manutenção do poder, e não no cidadão e suas necessidades.
Há angústia nas ruas e nas casas. E há, também, mais
informação e comunicação, mas horizontais, e não sob a velha forma de cima para
baixo, por meio de um pequeno número de empresas que compõem o mainstream midiático.
A angústia espalhou.
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