quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Comece zerado, sem moral alguma

Up date: mandei a mensagem abaixo por e-mail. Talvez seja legal lê-la antes do textinho de "desejos de ano novo" que segue sob a foto. O textinho 1 é uma divagaçãozinha sobre por que ainda acho bacana enviar essas coisas. Mas se quiser pular, não tem problema. Pode ir direto para a casa 2.

1.
Oi, tudo? Tudo.

Se é um saco ouvir gente enquadrando a hipocrisia de se desejar coisas boas e distribuir abraços nas festas de fim de ano, é malice maior ainda aguentar essas reclamações. Por que não curtir a onda e pronto? Nada é perfeito do jeito que se imagina, sempre vai ter correria e talvez uma frieza certeira no dia-a-dia, então essas confraternizações acabam sendo meio necessárias, não acha? 

Vai ver as comemorações são momentos programados - não sei por quem- para despejar um pouco de docilidade, mesmo que forjada às pressas, para equilibrar o azedo nosso de sempre. Não é à toa que Natal e Ano Novo são bem pertinho um do outro. Dá tempo dos parentes ficarem todos na mesma casa ou na mesma cidade, com desculpa das festas. E aí a convivência se restabelece, os laços podem ser reatados, e os afetos, ressuscitados.

Isso tudo é pra dizer que então eu acho válido, sim, vir aqui e dizer alguma coisa honesta pra aproveitar o ensejo.

Há controvérsias, eu sei, do poder de emoção de um e-mail. Eu também preferia te dizer tudo isso com o som da minha voz. Mas confio no seu entendimento e tals.

Então. Já que estamos todos internetados por computador ou celular, deixei um recado no meu blog, aqui o link, ó: http://cafffeinee.blogspot.com/ . Não, não é estratégia de mkt pra aumentar o número de visitas da bodega. É só facilitação mesmo. Entra quem quiser e estiver a fim. Mas, ó, é tudo verdade. O que escrevi lá é realmente a minha verdade. Entenda e use como lhe aprouver.

Um beijo,

Simei Morais



2.

Não trago os corretos votos de ano bom. Na real: que você se contradiga no ano vindouro e, nesse passo em falso, perceba resquícios que há anos aguardam desova.

Pode ser que você caia. Na queda, descubra seu tamanho e o dos outros e o que de fato importa. E que tenha coragem de não permanecer lá embaixo, abraçado à latrina.

E se morrer algum tipo de morte, seja lúcido para decidir que não é o fim. Não desejo que você seja o mesmo. Só é um pouco bom quem muda e do velho se distancia.

Morra um tanto significativo e comece tudo de novo se quiser ter vida de verdade.

Agora sim eu era herói.

São meus votos para todo mundo. Ha!

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

delinquências sem trema

Dingoubéu. Eis que o espírito está mais para dar do que receber, hahãm. Então posto aqui uns links para baixar alguns da lista dos 20 melhores álbuns do ano formulada pela Eldorado.

Cee Lo Green - The Lady Killer

Jamie Lidell - Compass (só a faixa Compass) e todo o disco


À medida em que eu achar mais, "embuto" aqui.

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

deelinquency of the day

Bem facilzinho de gostar, esse álbum do Edward Sharpe and the Magnetic Zeros. Já conhecia o hit Home, um chicletinho bom de mascar na mente, mas o disco todo tem uma vibe bacana, de viver a vida e sair por aí cantando, dançando e amando, eba, eba, eba. 

Do meio pro final, porém, a lista traz melodias e letras mais introspectivas, típico convite para experiências um pouco mais "expansivas". Cuidado com o que for usar durante a audição (recomendar moderação acho que vai bem, né?).

Não conheço muito a banda, mas o som é meio folk, meio hippie desencanado. Sonzinho sem erro, perfeito pra pôr no carro e rodar alguns Km's ou deitar no chão e cantar com as estrelas.

Dá pra baixar por aqui, ó.

Você já deve ter ouvido Home, a do clipe aí embaixo, em algum lugar.



Home is wherever I'm with you. Então tá, meu bem.

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

toureiro fake




Toureiro fake

Juro que se eu morrer
eu levo o que você não quis
e não deixou crescer
Se Deus fizesse agora chover
uma torrente de águas
e lavasse todo sangue
que você ousou verter
e levasse as raivas
vestígios do teu ser
Toda morte é tua culpa
desgraçado homem vil
quero te ver deformado
aberto, estraçalhado
igual fiquei quando partiu
Juro que se eu morrer
apesar de toda a fé
volto de noite
pra puxar o teu pé

domingo, 12 de dezembro de 2010

solo meu

















me siento solo
me sento só
só me sinto solo
lejos de mi
a léguas de ti
¿cerca de quién?
Acerca de quê?

Wikirebels

Doc de uma TV sueca sobre o Wikileaks.

Cris, espera

Um desespero nessa tarde senegalesa, esse inferno de terceiro mundo em que não há civilidade mínima, porque qualquer ser começa a derreter antes mesmo de terminar a montação. Começa-se pelo buço, suando em bicas.

Uma amiga disse que não aguentava a bunda suando, na madrugada. Todo mundo saiu lindo, cheiroso, em meia hora estavam todos e todas desaguados de calor. Sentia-me esvaindo atrás das pernas. O cabelo, azedo. O sutiã, então - ah, é, nem usei.

Mas não é isso.  O desespero é um maior, mais distante, embaixo. Não há mais deuses astronautas. E as pessoas perguntam demais, querem saber demais. Olham demais. E pra quem? Pra ninguém. Esquecem-se de que somos todos uns fidaputa, zé ninguém, mané de onde o judas se ferrou. Podem nos deixar em paz, já que somos todos fodidos?

Não é isso também. Prisão. Esse Senegal, além de tudo, é um labirinto, uma rinha. Isso! Um poleiro de rinhas! Que merda, prefiro w.o.. Podem ficar com o que quiserem. Partiu. Vou ver Cristina.

A primeira entrevista de Clarice, como estudante de Direito

A Pinky Wainer, além de ótima por ela mesma, é um arquivo de coisas ótimas (outras nem tanto, imagino) dos outros. Ela mandou isso aí abaixo pra Cosac Naify, que publicou no blog. É a primeira entrevista da Clarice Lispector, mas não como escritora, como personagem para uma matéria sobre a leitura na juventude.

O repórter foi à faculdade dela em busca de personagem, aquela coisa básica como fazer um fala-povo no calçadão. E deu a puta sorte de encontrar uma jovenzinha batuta, óia só o comentário dela sobre o Euclydão e a literatura infantil nacional. Aliás, todos os comentários dela.

Obs.: não me considero clariceana, mas realmente gosto dela, que é um tesouro da literatura mundial.

"(...)Enquanto isso, o jornalista Vilmar Ledesma, meu amigo de Twitter, me enviou preciosidades. Vilmar garimpou volumes de Diretrizes do acervo da Biblioteca Mario de Andrade, em São Paulo, e transcreveu algumas coisas importantes (à mão, pois lá não é possível tirar xerox devido ao estado precário dos arquivos!). Coisas que devem ser inéditas para o grande público, já neste século XXI."

OS ESTUDANTES BRASILEIROS E A LITERATURA UNIVERSAL
(Diretrizes 71, 30 de outubro de 1941)
Série de reportagens com universitários, no final de outubro de 1941, opinando sobra literatura. A ilustração é de uma garota bonita, com bolsa embaixo do braço, cercada por cinco rapazes e a legenda “Futuros advogados falam sobre literatura”. Lá no final da primeira matéria vem o seguinte trecho:

“Na Faculdade de Direito subimos ao primeiro pavimento do edifício da rua Moncorvo Filho. Descemos novamente e vemos chegar uma jovem a quem abordamos. Chama-se Clarice Lispector e tem traços da raça eslava. É terceiro-anista e acede prontamente em responder às perguntas do repórter. “Leio de preferência livros, diz Clarice. Quanto à literatura nacional, em minha opinião, temos ótimos escritores, capazes de rivalizar com qualquer outro de qualquer literatura. Sobre a moderna literatura nacional, conheço alguma coisa; mais talvez do que a antiga”.

Pode destacar algum vulto?
Vários, como Graciliano Ramos, que me parece o maior, Rachel de Queiroz, Augusto Frederico Schmidt, etc.

Na literatura moderna nacional existe algum escritor que em sua opinião possa se nivelar a Machado de Assis ou Euclydes da Cunha?
Não se pode tomar para comparação um Machado de Assis, tão pessoal na sua obra. Mas em intensidade literária, dentro do seu próprio gênero, há escritores atuais que podem até superá-lo. Aliás, em minha opinião, seria mais fácil superá-lo do que igualá-lo. Machado tinha muita personalidade. Como romancista, ele não é seguro, não obedece a normas; por isso me parece fácil superá-lo, mais que igualá-lo. Euclydes da Cunha não me agrada…

Qual o livro nacional ou estrangeiro que lhe tenha deixado mais impressão?
Esta é uma pergunta difícil… Porque eu sempre passo épocas em que tal ou qual livro me impressiona. Depois o esqueço e outro toma o seu lugar. Às vezes o que me agrada num livro é o “tom”, o plano em que o autor se move. E se em outro livro o autor muda o “tom”, eu perco o interesse. É um estado d’alma.

Acha que a Guerra possa influir sobre a literatura?
Pode. Talvez um certo ceticismo se apodere da literatura do após-Guerra. Também os motivos humanos ocuparão seu lugar. Mas ao certo não se pode prever.

Qual a sua opinião sobre a “coleção das moças”?
Corresponde a uma necessidade da idade. Há uma fase na vida da moça em que tal literatura é indispensável. Mas apesar de eu já ter sofrido essa necessidade, hoje tenho pena das moças que lêem exclusivamente esta literatura.

E sobre literatura infantil?
Monteiro Lobato é sozinho uma literatura neste gênero. Suas obras compõem o que há de melhor a este respeito no Brasil. Além disso, temos Marques Rebelo. Ainda não se pode, todavia, confiar em uma literatura infantil no Brasil.

E sobre a poesia?
Eu nunca procurei a poesia. Gostei sempre mais da prosa. Admiro particularmente Augusto Frederico Schmidt.

Qual o maior poeta nacional em sua opinião?
Eu diria Castro Alves porque sei que é o melhor. Mas não tenho apreciação por condoreiros. Se a pergunta se refere aos que gosto, posso falar de Augusto Frederico Schmidt, com o seu Cântico de Adolescente que muito me impressionou há anos atrás.

Quais os melhores livros da literatura universal, na sua opinião?
Humilhados e ofendidos
, Crime e castigo, de Dostoievski, Sem olhos em Gaza, do Huxley, Mediterrâneo, de Panait Istrati e as obras de Anatole France em geral. Mas isto é só do que já li.”

Depois a própria Clarice se encarrega de nos apresentar a um colega. Augusto Baêna, quarto anista e presidente do Centro Cândido Figueiredo da Faculdade de Direito.

(Na foto da reportagem, Clarice aparece com saia xadrez bem miudinho, blusa gola role reta de manga comprida, bolsa tipo carteira embaixo do braço e cabelos em quase coque.)"

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

A pedalada do pamonheiro*



Fidaputa desse pamonheiro arrumou encrenca na rua inteira. Não soube ser gay e profissional, misturou tesão no negócio, se ferrou. O cara não dava pinta, andava com as pernas soltas, sem mascar a bunda. Nunca o vi de conversa mole; riso, só de troco e mais pra mulher, porque umas sempre compravam as pamonhas. Mas um dia ele se entregou.

O Leo trazia as pamonhas ainda quentes na cesta de vime coberta por um pano branco daqueles que a empregada quara no sol. Gritava cadenciado “pa-a-mo-nha-a”, com ênfase na separação das sílabas pra melhorar o jingle no gogó. Começava aqui em cima, no meu bairro e, se sobrasse alguma, pedalava no centro até rapar tudo. Nos finais de semana a venda era ligeira, virava e mexia ele manobrava no meio-fio, voltava para buscar mais em casa, apesar da distância.

Morava no outro lado da cidade, numa área que virou bairro apenas nos últimos anos. Um vereador que tinha chácara em volta conseguiu que o prefeito loteasse a área. Abriram rua, esgoto, ergueram postes de luz. A casa do Leo já havia sido demolida, nessa época.

Quando ainda era mato, fomos um dia até lá para buscar mais. Era carnaval, eu tinha uns dezesseis, passei os quatro dias na chácara do Xande, todo mundo do colégio, os irmãos dele que já estudavam fora, os primos, até um tio dele, um quarentão solteiro, coisa que na época era livre de encheção só em cidade grande. Acabou e os mais novos é que tinham de fazer a carreira. Fui eu, o Xande e o Juninho Goiaba.

Era uma casa inacabada, o Leo mesmo construíra. O muro era alto, chamuscado de cimento áspero com muito caco de vidro incrustado na borda, além de arame farpado. Tinha que bater palma e esperar que abrisse o portão e segurasse os cachorros, uns quatro vira-latas grandes.

Mandou que esperássemos numa cozinha externa, no fundo, onde ele mexia o talho de milho com leite, num fogão a lenha. Nesse dia que eu soube que ele mesmo cozia e montava as pamonhas. Aprendera de pequeno, na roça, a mando da mãe para complementar o sustento dos seis filhos, cinco abaixo dele. A mãe, solteira, um filho de cada pai - a não ser os gêmeos caçulas, que por serem gêmeos tinham de sair de uma benga só. E ainda tiveram a sorte de ter nome de pai no registro porque gemelaridade era coisa estapafúrdia e o cara voltou para ver os meninos, quando soube que eram dois iguaizinhos. Tudo isso ele contou numa única mexida com a pá de madeira.

A mãe trabalhava na casa do administrador da fazenda, naquela época ainda se usava esse sistema, e o deixava com os menores, incumbido de tudo o que se tem de fazer quando se tem filho pequeno. Nas sextas à noite ela fazia pamonha doce e salgada, de tudo quanto é recheio, para vender na feira do final de semana. Ele ajudava também. Numa dessas Leo perdeu as pontas dos dedos da mão direita. A mãe acertou as últimas falanges quando ele pinçou um pedaço da linguiça que ela cortava para enfiar nas salgadas. Vai ver era por isso que ele só fazia da doce.

O foda foi que Leo, o nome dele era Leocádio, fui saber bem depois, desmunhecou pra cima do Xande numa dessas idas à casa dele, no carnaval. O porra do Xande, numa de se achar o pinto mais fodístico da cidade, e por isso o mais macho, com uma virilidade suficiente de se botar a bunda dos outros à prova, tirou onda de deixar o cara pegar no pau dele. Até chegar a esse episódio, o Leo já ia entregar na chácara mesmo, não ficava nem mais no portão, entrava pra tomar cerveja. O Xande fez a merda e o tio dele sentou em cima. Nunca se soube como, o velho rapou toda a grana do pamonheiro, na última leva.

Demorou uns dois finais de semana pro Leo aparecer na rua, depois daquele carnaval. Antes de frear o disco da frente, já cobrou Xande do golpe. “Vou te foder de verdade, moleque. Paga tudo amanhã.” O bosta do Xande riu e engambelou a gente, que não sabia nada. Uns quatro dias depois, a história da pica chegou no ouvido do pai dele, um safado dum moralista do caralho. Fodeu todo mundo da rua com a fúria de lavar a honra do filho, que tinha sido bolinado pelo pamonheiro, veado vingado.

Na semana seguinte Leo não passou no nosso bairro nem no centro. Havia sido enquadrado pelos meganhas por causa da maconha que trazia sob a pamonha, depois de anos de feira a pedaladas. Não durou muito na cadeia. Deu tempo de eu entrar na faculdade, ir morar fora, soube da morte dele num feriadão em que voltei para casa enquanto era bicho. Morreu de Aids, um dos primeiros casos de que ouvi nos anos 80, de certo em troca-troca na cela. Foi no papel dos mortos que a funerária gruda na parede do mercado municipal que descobri o nome dele, ao lado da foto três por quatro: Leocádio de Jesus de alguma coisa, 43 anos.



*Ele existiu.