Era aquele
verme que a tia sempre dizia, giárdia. Desconfiava que fosse. Depois,
achava que era fome – foi meu desastre, porque, por anos, décadas, socava tudo
que pudesse lhe pôr fim. Não deu. Com certo acompanhamento, depois do
desenvolvimento intelectual e de poder atravessar a rua sem ser pega por bicicleta
ou jamanta, fui ver direito. Não falo o nome. É um demônio, isso aqui. Busco desprezá-lo
para não se agigantar aqui fora e me matar de vergonha, coisa que ele sabe como
ninguém. Mas está aqui, sapateando e cantarolando morte e sofreguidão.
É a canção que ele sabe tocar, enquanto draga o estômago da gente.
segunda-feira, 8 de dezembro de 2014
sexta-feira, 5 de setembro de 2014
Foco nos legislativos
Um
dos problemas da cultura política popular brasileira é o de que o show quadrienal
é sempre de um único protagonista: o candidato à presidência. Enquanto ele
brilha ou apanha sob o holofote, uma multidão passa ilesa no fundo do palco,
rumo aos legislativos estaduais e federais. Examina-se o candidato ao cargo
máximo, de modo suficiente ou não, sem se dar a devida importância aos demais concorrentes
do mesmo pleito (deputados federais e estaduais, senadores e também
governadores).
Fazer
o processo eleitoral todo no escuro é um risco sem tamanho. Nenhum mandatário
de cargo executivo governa sozinho. Sem apoio do legislativo, não consegue
mandar as boas intenções nem para o inferno.
Talvez
porque se cultive aquele velho culto a salvadores da pátria (chutão meu), por
aqui se centram os olhos primeiro em quem concorre à cadeira de presidente (e
depois ao governo do estado), deixando que os candidatos aos legislativos
federal e estaduais se acomodem como podem.
Teste
de conhecimentos
Pergunte
a um colega de trabalho ou de ponto de ônibus em quem vai votar para deputado.
Provavelmente a resposta será para a Câmara federal. Refine a pergunta: e para
deputado estadual? Não é difícil que lhe responda com um olho arregalado e
ponto de interrogação cravejado na pupila.
Semana
passada ouvi de um adulto que ele nem sabia, ainda, quem eram os candidatos ao
governo do estado de São Paulo. Vidrei na cara dele. E ele seguiu com uma
dúvida complementar: “tem eleição pra senador também? É esse ano?”.
Essa
feição de “hã?” de quem é pego de surpresa, quando questionado sobre eleição, é
o sinal mais claro de que o processo é desordenado. Há muita gente para ser
avaliada de uma batelada só. Na Constituição de 1988, as eleições foram
aglutinadas em dois blocos: o das eleições gerais, em que se escolhe numa
tacada presidente da República, senadores, deputados federais, governadores e
deputados estaduais, e o bloco das eleições municipais, destinadas aos
prefeitos e vereadores (para alterar isso, somente uma reforma política).
Essa
prática confunde a população, já que há uma grande massa que ainda não
acompanha sistematicamente a política em geral, e compromete a qualidade das
escolhas.
No
meio político, considera-se campanha para valer depois que se inicia o horário
eleitoral gratuito, com toda aquela produção de múltiplos gostos na TV, no
rádio e na internet. Entre analistas, há o bordão de que eleitor decide nos
últimos 15 dias da corrida. Se for isso mesmo, o processo seletivo de quase 26
mil candidatos em todo o país se dá em apenas duas semanas. Desse total de
candidatos, 65,38% (ou 17 mil, concorrem aos legislativos estaduais).
Assembleia
o que?
Há
muito tempo vejo que pessoas de diferentes meios sociais falam muito pouco ou
quase nada de deputados estaduais. Passei então a perguntar a gentes variadas,
como numa pesquisa informal, o que elas sabiam sobe a assembleia legislativa.
Muitos demoram para responder e alguns devolvem com uma pergunta do tipo “ah, a
dos deputados?”. Precisam se certificar do significado.
Aí
eu pergunto: “você sabe mais sobre os deputados federais ou os estaduais?”.
Todos respondem que sabem mais sobre os federais. Nem me dou ao trabalho de
perguntar em quem votou para a assembleia legislativa, na última eleição.
Essa
desinformação sobre os deputados estaduais não se deve apenas aos magros
hábitos de acompanhar o dia a dia político da federação, estados e municípios.
Pelo menos em São Paulo, em que há 21 candidatos para cada uma das 94 vagas do
legislativo estadual, há uma responsabilidade enorme da imprensa para esse
cenário.
A
cobertura do legislativo paulista é anêmica em geral, existindo pontualmente,
em votações específicas. O dia a dia da casa fica no escuro. As pessoas não
sabem o que acontece lá, como são feitos os acordos (não há trabalho
legislativo sem acordo, de qualquer natureza) e como os deputados se relacionam
com o governador - que tem ampla base na casa. É como se os nobres deputados
estaduais não existissem, mas eles estão lá, influenciando pesadamente o
destino do segundo maior orçamento do país (R$ 189 bilhões em 2014), menor
apenas que o da União (R$ 2,5 trilhões em 2014).
Luz nos legislativos
O
legislativo federal, por outro lado, já conta com um pouco mais de atenção
midiática, embora as redações sejam enxutas e muito da atividade parlamentar se
perca na poeira da história, sem um registro digno, por menor que seja. Não se
sabe muito bem, por exemplo, como é o antes, o durante e o depois do trabalho
de vários deputados em relação a emendas que conseguem para suas regiões de
origem.
Deixa
eu contar um causo. Já vi deputado alardeando na imprensa de uma região que
havia conseguido verba para a construção da sede de uma instituição de caridade
– à qual ele nunca foi ligado, nunca visitou nem nunca telefonou. O texto
descrito em sua emenda, no entanto, destinava a verba para a prefeitura, à
época dirigida por aliados. O dinheiro não chegaria diretamente à instituição:
a prefeitura construiria um imóvel e o emprestaria à ong. Esse arranjo foi
feito entre o deputado e o alcaide, sem nenhuma consulta à entidade, que acabou
nunca se beneficiando por um centavo dessa emenda. Sabe-se lá o fim dessa
grana.
Cada
um dos 81 senadores e 513 deputados pode apresentar até 25 emendas ao orçamento
da União. Cada um redige o texto de suas emendas, modelando a destinação dos
recursos.
Um
exercício de imaginação: é possível encaminhar verba da União para obras cujas
licitações são ganhas por empresas que doam para campanhas do grupo do parlamentar
autor, por exemplo.
Emendas
são, ainda, cabos eleitorais nas regiões de seus autores. E, no Congresso,
também servem para lembrar o parlamentar de como ele tem de votar – nesse caso,
junto ao governo. Elas podem fazer parte dos acordos, sejam eles de qualquer
natureza.
Esse
é apenas um exemplo prático da influência do parlamentar federal nos rumos do
país. Há muitas outras funções parlamentares, como a formulação e decisão sobre
projetos de leis das mais variadas naturezas. São os parlamentares, também, que
votarão os eventuais projetos de reforma política e tributária, tão esperados
pela população. Eles podem, inclusive, alterar os textos.
Os
exemplos acima são do Congresso nacional. Parlamentares estaduais têm as mesmas
funções nas assembleias legislativas (sugestão de leitura complementar).
Isso
tudo é para dizer “foque nos legislativos”: no federal (Senado e Câmara) e no
estadual. Não adianta depositar todas as esperanças na candidata-salvadora ou
no candidato-salvador ao executivo (federal ou estadual) sem prestar a devida
atenção em quem vai receber a crucial função de legislador.
Pode-se
eleger para o executivo uma figura cheia de boas intenções. Mas é o legislativo
que vai ditar o ritmo de seu governo – e pode determinar também seu
(in)sucesso. Há quem afirme que Collor só foi rifado porque deu de costas para
o Congresso, o que também acho.
É
por essa habitual desatenção aos legisladores que muita gente não se vê representada
pelos políticos em cargos eletivos. Seria bom se, por favor, todos acendêssemos
a luz e não estragássemos o espetáculo.
Assinar:
Postagens (Atom)